Universidades ampliam papel em inovação
Criados há cerca de uma década, os Núcleos de Inovação Tecnológica (NITs) de diversas instituições de ensino e pesquisa brasileiras vêm atuando em várias frentes para aproximar a comunidade acadêmica da indústria.
Uma tecnologia baseada em inteligência artificial que formula produtos à base de gorduras hidrogenadas, maximizando o seu desempenho nutricional e reduzindo custos. A ideia foi desenvolvida em parceria entre a Faculdade de Engenharia de Alimentos e a Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação, ambas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Depositada em 2008, a patente foi licenciada no ano passado para a empresa Nitryx, cujo fundador é Rodrigo Gonçalves, um dos inventores da tecnologia. A startup (termo mais utilizado para empresa nascente inovadora) está atualmente em fase de adequação e comercialização do produto para o seu primeiro cliente. Na mesma universidade, pesquisadores do Instituto de Química desenvolveram, em 2011, um fotômetro analisador de combustível, hoje vendido pela Techchrom, empresa que começou suas atividades na Incubadora de Empresas de Base Tecnológica. O equipamento, que analisa no próprio posto a qualidade do combustível utilizado nos veículos – isto é, o teor de álcool na gasolina e no etanol – começou a ser “desenhado” na tese de doutorado de Ismael Chagas, hoje funcionário da Techchrom. Os exemplos acima são inovações que nasceram da parceria entre a universidade e o setor privado, com intermédio de um Núcleo de Inovação Tecnológica (NIT). Nos casos, a Agência Inova Unicamp auxiliou os pesquisadores no depósito do pedido das patentes e na formatação do contrato de licenciamento.
Com funções similares nas instituições de ensino e pesquisas públicas brasileiras, os NITs (ou agências de inovação) estimulam a relação universidade-empresa e a inovação em diversos âmbitos, a fim de levar a tecnologia à sociedade. Passaram a ser obrigatórios em instituições de ensino e pesquisa públicas a partir de 2004, com a Lei de Inovação (leia mais nesta matéria), em um momento de competitividade da economia, retomada do desenvolvimento industrial e aumento da produção científica no país. Um dos focos de atuação das agências é ajudar o pesquisador a trilhar o longo caminho entre um resultado de sucesso na bancada e a obtenção de uma patente. “Muitas vezes o pesquisador não sabe como redigir um projeto de depósito de propriedade intelectual utilizando argumentos robustos, de forma que a patente possa atrair oportunidades de financiamento”, explica o diretor executivo da Inova Unicamp, Roberto de Alencar Lotufo. Para suprir essa necessidade, especialistas orientam o pesquisador sobre Propriedade Intelectual (PI), direitos autorais e projetos de licenciamento, casos em que a transferência de tecnologia se dá por meio de convênios firmados entre universidades, pesquisadores e empresas. Sem os NITs, o processo ficaria por conta do próprio cientista, o que reduziria as chances do acesso da sociedade à ciência.
Em fase de expansão e calcada em referências internacionais em inovação como Massachusetts Institute of Technology (MIT), Stanford University e University of California, a Inova Unicamp vem apostando cada vez mais em investimentos em PI, projetos colaborativos e empreendedorismo tecnológico. Vinculado à Reitoria da universidade e com cerca de 40 profissionais, o órgão atua na identificação de tecnologias, proteção, avaliação comercial, definição de estratégias de transferência, identificação de empresas e empreendedores, negociação e celebração de contratos. “Hoje, auxiliamos no depósito de 60 patentes anuais no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi), em média, contra 20 quando a agência ainda não existia, posicionando a Unicamp como segunda instituição com maior pedido de patentes do país”, comemora Lotufo. O NIT também gerencia a Incubadora de Empresas de Base Tecnológica e acaba de inaugurar, em março, as primeiras obras do Parque Científico e Tecnológico, área na universidade para a construção de laboratórios de pesquisa universidade-empresa. Ações de empreendedorismo tecnológico entre alunos de graduação e pós-graduação também estão no escopo da Inova Unicamp, por meio de eventos e competições de modelos de negócios com tecnologias da própria instituição.
Outro exemplo de NIT criado nos moldes da Lei de Inovação é a CTIT (Coordenadoria de Transferência e Inovação Tecnológica), na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Formalmente instituída em 1997 por meio de projeto Finep/MCT, a unidade também conta com a Incubadora de Empresas de Base Tecnológica, atuando na prospecção de empreendedores e parcerias. “Considerando todos os contratos de licenciamento de tecnologias realizados desde a sua criação, 51% foram realizados nos últimos três anos”, comenta Pedro Vidigal, coordenador do CTIT. A disseminação da inovação se dá através de eventos, cursos e palestras. “Recentemente, realizamos uma campanha fixando pequenos cartazes próximos a tecnologias de uso rotineiro na vida das pessoas, como elevadores, bebedouros, extintores de incêndio etc. Eles apresentavam relatos sobre a criação daquela tecnologia. Outra iniciativa foi colocar agentes de inovação em contato com pesquisadores e alunos, identificando potenciais tecnologias”, comenta o professor. Ele ainda cita exemplos de inovações que chegaram ao mercado por meio da agência, como a vacina Leish-tec, produzida no Instituto de Ciências Biológicas e na Faculdade de Farmácia, altamente eficaz contra a leishmaniose visceral canina, e o tênis Crômic Aerobase, desenvolvido pela 18 MANUFATURAEMFOCO.com.br Faculdade de Engenharia Mecânica e licenciado pela Cromic. O sistema tem condições especiais de absorção de impacto, extremo conforto e design diferenciado, próprio para caminhadas.
O espectro de atuação das agências de inovação, portanto, vai além dos limites do suporte técnico e legal. A proposta abrange a busca ativa de competências inovadoras nas universidades e a capacitação de recursos humanos. Quanto ao ponto de partida para uma relação universidade-empresa, Lotufo explica os dois caminhos possíveis e viabilizados pelos NITs. Um deles é a identificação de grupos de pesquisa para a demanda do mercado, colocando a empresa interessada em contato com pesquisadores para um acordo formal, com assinatura do reitor. “É feito um convênio com, pelo menos, dois anos de duração, a partir de um plano de trabalho e recursos oferecidos pela empresa interessada na tecnologia”, explica. Nessa parceria, o resultado da pesquisa será conjunto, mas poderá haver exclusividade da patente por parte do executor do convênio. A universidade também recebe royalties, em caso de sucesso, cuja divisão é, em geral, 1/3 para os inventores, 1/3 para a unidade, 1/3 para a reitoria/agência. Vale destacar que a FAPESP pode contribuir com 50% do financiamento por meio do Programa de Apoio à Pesquisa em Parceria para Inovação Tecnológica (PITE), que financia projetos de pesquisa em instituições acadêmicas, desenvolvidos em cooperação com pesquisadores de centros de pesquisa de empresas localizadas no Brasil ou no exterior. A outra forma de relacionamento é a exposição das patentes da universidade por meio de diversos canais de comunicação, divididas por áreas e com análise de mercado. E, como não é a instituição de pesquisa que cria o produto final, uma empresa de grande porte pode investir em seu próprio departamento de P&D (Pesquisa e Desenvolvimento) ou financiar startups para viabilizar a tecnologia sem ter que estruturar uma área própria. “É aí que entram os recém-formados e seu interesse crescente por abrir seu próprio negócio inovador”, comenta Lotufo, destacando novamente o apoio do NIT ao empreendedorismo tecnológico. Nesse sentido, a Fapesp também oferece apoio às pequenas empresas inovadoras, por meio do programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe).
Em geral, essa conjunção de diversas iniciativas tem dado resultados. Uma das métricas que registrou um aumento de 6,3% nas patentes solicitadas por brasileiros e estrangeiros entre 2011 e 2012, passando de 31.765 para 33.780 pedidos, segundo balanço provisório divulgado em janeiro deste ano. De acordo com o Instituto, a elevação no ano passado pode ser atribuída à intensificação na inovação no Brasil, seja por empresas, universidades e institutos nacionais ou estrangeiros, atraídos para o país. “A conscientização dos pesquisadores no âmbito da propriedade intelectual tem crescido continuamente, mas é preciso frisar que a inovação possui um risco inerente, o retorno não é breve e muitas vezes a pesquisa não traz resultados eficazes. No entanto, se der certo, a novidade garante competitividade à empresa”, afirma Roberto Lotufo.
Os dois lados da moeda
Se a inovação tecnológica é recente e desafiadora no Brasil, a participação dos NITs nos processos de inovação também vem sendo reconhecida aos poucos, com esforços conjuntos, divulgação e aposta em incentivos governamentais, como os oriundos de órgãos de fomento (Finep, FAPs, CNPq) e Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). Outro fator facilitador é o constante intercâmbio e troca de experiências dentre diversas agências de inovação do país. Instituições como a Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual Paulista (UNESP), UFMG, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR) se reúnem em eventos do FORTEC (Fórum Nacional de Gestores de Inovação e Transferência) e em redes regionais, como a Rede Mineira de Propriedade Intelectual, coordenada pela UFMG e UFV (Universidade Federal de Viçosa), que reúne 27 NITs do estado e capacita associados em parceria com entidades como o Inpi. Mais do que compartilhar, as agências de inovação se unem na defesa das vantagens de se apostar em tecnologias provenientes das universidades. No entanto, há desafios que passam por regulamentações que facilitam o processo de P&D, estímulo à proteção intelectual para o desenvolvimento econômico do país, além da própria cultura dos empresários brasileiros para que entendam a inovação como um fator de sobrevivência e de competitividade no mercado. Veja a comparação de pontos fortes e desafios na relação universidade-empresa, a partir de opiniões dos professores Roberto Lotufo e Pedro Vidigal.
Pontos fortes
– Opções de tecnologias e aplicações em diversas áreas do conhecimento; – Profissionais e pesquisadores com competência técnica, que podem suprir necessidades das empresas; – Possibilidade de colocar novos produtos no mercado sem a necessidade de fazer elevados investimentos em estruturas de P&D; – Identificação de talentos para montar equipes de P&D nas próprias organizações; – Possibilidade de incubar a empresa em parques dentro das instituições.
Desafios
– Marco regulatório do setor ainda necessita de aperfeiçoamento; – Dificuldade de convencer o setor produtivo nacional em apostar nas universidades; – Risco inerente à inovação; – Burocracia na administração de convênios entre empresas e universidades; – Processo de depósito e licenciamento de patentes ainda é lento no país; – Difícil acesso à biodiversidade brasileira para desenvolvimento de tecnologias.
A Lei 10.973/04, bem como seu decreto regulamentador 5.563/05, foi criada para promover a inovação tecnológica no país, por meio de apoio a parcerias entre universidades e empresas, participação de centros de pesquisa em projetos de inovação, transferência de tecnologias das universidades para o setor privado. Além de estabelecer a obrigatoriedade da criação de Núcleos de Inovação Tecnológica (NITs) nas universidades e liberar o compartilhamento de laboratórios e equipamentos entre instituições científicas e organizações privadas, a Lei de Inovação criou instrumentos para que as atividades de inovação das empresas pudessem ser financiadas com recursos do governo. Não obstante a legitimação do papel das instituições de ensino e pesquisa na inovação e respaldo legal quanto a patentes e política de propriedade intelectual, especialistas brasileiros concordam que a legislação “gerou formalidades, o que muitas vezes torna os processos vagarosos e burocráticos, demandando revisão”.
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