Produção sustentável e automatizada
Em tempos de discussão da Rio+20 e desenvolvimento sustentável, entrevistamos o pesquisador João Carlos Ferreira sobre suas pesquisas na área de manufatura digital e ambientalmente correta.
A automatização da manufatura e a preocupação com o desenvolvimento sustentável são duas áreas que estão ganhando maior ênfase nos últimos anos. O professor João Carlos Ferreira, do Departamento de Engenharia Mecânica da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), iniciou seus trabalhos com manufatura digital na década de 80 e atualmente desenvolve, em parceria com o professor Alberto José Alvares da Universidade de Brasília (UnB), projetos na área de manufatura eletrônica, como fabricação de peças via internet. Em 2008, Ferreira decidiu aliar sua experiência em manufatura digital com a preocupação com o meio ambiente e passou a atuar em uma nova linha de pesquisa, a manufatura sustentável. Nesta entrevista para a revista Manufatura em Foco, ele conta como as pesquisas estão caminhando, quais as contribuições para a indústria e como o setor industrial também tem contribuído para suas pesquisas.
MF – Muito se fala no desenvolvimento sustentável, mas isso pode significar um custo que as empresas não estão dispostas a arcar. Como seria possível convencer a indústria a apostar na manufatura sustentável?
João Carlos Ferreira – Isso foi discutido na semana passada durante a Rio+20. Existem algumas maneiras, como a legislação e criação de selos atestando esse novo modelo de produção. Então, para alçarmos este selo, o que temos que fazer? Vamos reduzir o uso do fluido de corte, reutilizar e restaurar as ferramentas e reduzir o consumo de energia em nossas máquinas. É preciso projetar um produto, tanto quanto elaborar processos de fabricação de forma sustentável, sem esquecer o aspecto inovador.
Eu entendo que a inovação não pode deixar a preservação ambiental de lado. É preciso inovar de forma que reduza os custos de produção de novos produtos e também reduza os malefícios ambientais para o futuro em 40, 50 anos. Não adianta você inovar com um material mais barato, com a mesma função que o anterior, se o meio ambiente for deixado de lado.
MF – Dentro dessa linha de pesquisa, quais seriam as contribuições práticas?
JCF – Eu fiz uma visita, em 2010, à Universidade de Berkeley, em São Francisco, na Califórnia. Desde que voltei, já orientei dois projetos de mestrado nessa área. Um dos alunos que orientei, Roberto Tomelero, fez um trabalho de benchmarking no tocante ao gerenciamento de ferramentas de usinagem. Ele apresentou o questionário a nove empresas, queríamos no mínimo 20, mas apenas nove responderam. Nosso objetivo foi conhecer como as empresas estavam se organizando no chão de fábrica, não apenas no nível operacional, mas também no organizacional e como as empresas estavam trabalhando com as questões relacionadas ao meio ambiente. Se elas costumam reutilizar as pastilhas de metal duro, o que fazem com as ferramentas de aço rápido que chegam ao fim da respectiva vida útil, como utilizam essas ferramentas, como é feito o descarte, se é feito algum tipo de reafiação etc.
O que a gente verificou foi que as empresas estão bem orientadas neste sentido, pois estão muito preocupadas com a redução de consumo de fluido de corte, com o gerenciamento de ferramentas e não apenas com o uso delas e com o seu descarte. Então a situação está muito boa, pelo menos nas empresas entrevistadas. Todas elas realizavam trabalhos de gerenciamento de ferramentas. Procuramos entrevistar algumas empresas que não tinham nenhum sistema implantado, mas estas não quiseram participar.
O outro trabalho foi o de Marcelo Bataglin com uma empresa fabricante de implementos para empilhadeiras e guindastes da região Sul do Brasil. O trabalho concentrou-se na revisão de um processo de fabricação, responsável pela produção de um braço mecânico montado em empilhadeiras para a movimentação de bobinas. Por meio dele, o operador da empilhadeira controla a altura e a rotação das peças transportadas. Apesar de existirem outros braços mecânicos similares, utilizados na montagem dos diversos modelos de empilhadeiras, a empresa não os estrutura por famílias. Diante desse fato, Marcelo propôs uma estruturação por módulos. Tais módulos podem ser divididos em subconjuntos, de maneira que facilite a organização dos lotes a serem fabricados, favorecendo a distribuição das cargas nas máquinas, agilizando o fluxo no chão de fábrica e possibilitando a reutilização de dispositivos e equipamentos.
A análise das diretrizes de modularização permitiu refletir sobre o processo de fabricação hoje empregado na empresa, bem como sobre os materiais utilizados na fabricação, além do fato de questionar o destino final das peças e componentes utilizados, fornecendo informações suficientes para que a empresa possa desenvolver uma política de projeto de produtos modulares visando à manufatura sustentável.
Essa mudança favoreceu tanto a reciclagem, quanto o desenvolvimento de novos projetos. Preocupado com a questão da sustentabilidade, ele propôs a utilização de materiais de maior durabilidade, menos agressivos ao meio ambiente e de maior confiabilidade para os projetos futuros. As alterações contribuem para a aceleração do desenvolvimento de novos produtos e quando alguma mudança no projeto de uma determinada peça for necessária, não implicará em grandes modificações do layout da fábrica.
MF – Esses são bons exemplos de aproximação da universidade com a indústria. O senhor acredita que ainda há um distanciamento da linguagem da academia com a da empresa?
JCF – Existe, sim. Se o trabalho é de engenharia, para solucionar um problema dentro da empresa, a banca critica severamente e costuma fazer a seguinte pergunta: Onde é que está a contribuição do trabalho para os propósitos acadêmicos e científicos? Já houve casos assim, mas enfatizo que é um problema prático, um caso real. Eu até entendo os professores, mas a gente que orienta esses trabalhos tem que fazer uma ponte entre a academia e a indústria. No sentido de que há a possibilidade de que algumas pessoas possam replicar o conhecimento alcançado em suas respectivas empresas.
MF – Qual a importância do contato com as empresas dentro da pesquisa, dentro da academia?
JCF – Esse contato com as empresas é importante para conhecermos situações reais e delimitarmos o escopo do que podemos fazer. Se uma empresa apresenta um determinado problema, o aluno terá a possibilidade de resolvê-lo no tempo da pós-graduação. Muitas vezes, acabamos fazendo uma proposta teórica para que as empresas possam avaliar, dizer se está bom ou não, e estabelecer uma possível implementação.
MF – E de que forma as pesquisas feitas na academia podem contribuir?
JCF – É uma troca. Muitos alunos vêm para academia já com alguma experiência industrial. Aqui, aprendem muitas coisas que podem levar como sugestões para a aplicação em suas empresas. Agora, há muitos alunos que tem experiência industrial em grandes empresas, mas a maioria dos alunos que tem passado por mim tem vindo da indústria para ficar na academia. O interessante é que o mercado está aquecido, as indústrias estão contratando, mas muitos alunos têm interesse em se tornar acadêmicos e pesquisadores.
MF – Na visão do senhor, quais são as tendências na pesquisa dentro da manufatura e do meio ambiente?
JCF – É difícil falar em um âmbito geral. Dentro da minha área de manufatura digital vamos tentar monitorar a produção via internet. Antes só mandávamos o arquivo para usinagem local, geralmente aqui de Florianópolis, e para os pesquisadores do Grupo de Inovação em Automação Industrial da Universidade de Brasília (UnB). Outra pesquisa consiste no uso do “Step NC”. Trata de um padrão internacional que busca substituir o código G e tenta aumentar o nível do comando numérico, para que a máquina não avalie apenas a ferramenta que esta utilizando, mas também a superfície que está sendo usinada. Já há artigos sobre o assunto publicados não só por mim, como por vários outros pesquisadores.
Na área ambiental, tenho atraído muitos alunos, mas acho que estou começando tarde. Contudo, se a gente conseguir fazer com que um grãozinho de areia ajude o meio ambiente já será bom. Tenho linhas de pesquisa anteriores, mas a média de alunos de pós-graduação que estavam se interessando não era tão grande. Agora a procura está aumentando bastante e eu já estou pensando em não aceitar mais alunos. Claro, os bons alunos sempre serão aceitos. A manufatura enxuta, o lean manufacturing e a manufatura sustentável, principalmente essa, têm atraído muitos alunos.
Quando a pesquisa implica no uso de algum material mais nobre, extrair o material virgem é muito caro, você precisa investir muito dinheiro e também muito tempo. Em vez de ir nessa direção, creio que as empresas devam tentar reutilizar esse tipo de material dentro de toda a cadeia de suprimentos. É muito mais barato reutilizar do que extrair tudo o que se necessita.
MF – O senhor esteve na Inglaterra durante o doutorado, depois foi aos Estados Unidos para o pós-doutorado e também atuou como professor visitante. Qual a diferença do ensino da engenharia nos Estados Unidos, Inglaterra e Brasil?
JCF – Eu estive na Inglaterra no final da década de 80 durante o meu doutorado. Naquela época, todos os equipamentos eram muito caros, inclusive os computadores. Pude contar com uma estrutura muito boa na Europa. O doutorado na Inglaterra não exige que você faça disciplinas, você tem três anos e meio totalmente dedicados à pesquisa para apresentar algo totalmente inovador. Claro que você pode fazer disciplinas como ouvinte, como eu cheguei a fazer, mas não é algo obrigatório. Já nos Estados Unidos e no Brasil, a carga de disciplinas é muito maior. Nos EUA, durante dois anos você cumpre apenas a carga horária de matérias, então o tempo de pesquisa é muito menor. Hoje, o custo dos equipamentos diminuiu muito e já não há tanta diferença entre a estrutura de laboratórios aqui da UFSC, por exemplo, em relação a esses países.
No quesito ambiental, a Europa, como um todo, está mais avançada na exigência de produtos ambientalmente corretos, muito mais do que no Brasil e nos Estados Unidos. Com exceção do estado da Califórnia, não há muito esforço para mudar os padrões de consumo.
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