Nanotecnologia da pesquisa à empresa
Segundo a consultoria americana Global Industry Analysts (GIA), o mercado nano poderá alcançar US$ 1 trilhão até 2015.
Fascínio e expectativas marcaram os últimos 20 anos na ciência por conta da nanotecnologia (ou nanociência), área do conhecimento que se difundiu como uma “revolução” ao manipular e controlar átomos e moléculas em escala de um nanômetro (um bilhão de vezes menor que o metro) com microscópios especiais. Os avanços são descritos pelo mercado como benefícios nunca vistos para as linhas de produção e o consumidor final: materiais mais resistentes, nanofármacos inteligentes, grandes transformações na microeletrônica e muito mais. Mas como essas pesquisas saem dos laboratórios e chegam à sociedade? Como as empresas brasileiras aplicam esse conhecimento? Quais são os próximos desafios dos cientistas?
Parte significativa da nanociência concentra-se na criação de novas moléculas com propriedades especiais. Esse é um campo amplo e interdisciplinar, já que envolve química, física, biologia, engenharia de materiais, ciência da computação e medicina. Em linhas bem gerais, quanto menor a partícula e mais uniforme sua distribuição, mais eficiente será o produto final, já que processos físicos e reações químicas se tornam mais rápidos. Isso vale para uma série de elementos químicos. Nanopartículas de prata, por exemplo, podem ser usadas para limpeza de filtros de máquinas de lavar e ar-condicionado. Cosméticos, fármacos, lubrificantes para a manufatura, catalisadores em automóveis também estão entre as principais inovações em nano.
As camadas de átomos de grafeno, ainda em fase de protótipo, prometem menor uso de material na fabricação das telas touch screen. Uma das vedetes das novas moléculas são os nanotubos de carbono, único material sintético mais resistente e flexível que um fio de teia de aranha e com inúmeras propriedades mecânicas, o que o transforma em condutor de eletricidade, isolante e emissor de luz a partir de tensão elétrica.
Com tantas opções, a nanociência já é realidade em diversos segmentos no Brasil. A 3M estuda a área desde os anos 70, a partir da matriz, nos Estados Unidos. Produtos dessa natureza chegaram ao consumidor por lá em 1995, mas, no Brasil, foi há quatro anos, com o lançamento do cabo condutor de energia à base de alumínio. “A fibra com nanopartículas dobra a transmissão de energia e pesa a metade de um cabo comum, além de ser mais resistente à flexão de temperaturas”, afirma Marcelo Tambascia, gerente técnico de mercado industrial da 3M do Brasil. Ele também destaca a resina dentária Filtek, feita com nanossílica e nanopartículas de zircônio que, juntas, garantem maior resistência à abrasão e suporte à mastigação, além da película Window Film, solução arquitetônica para reduzir calor e luz no interior de imóveis e carros. “Embora sejam inovações do exterior, no Brasil, já estamos contratando especialistas em nanopartículas, fazendo treinamentos e compra de novos equipamentos para estimular a pesquisa e produção locais”, assegura Tambascia.
No caso da metalurgia, partículas cada vez menores influem nas propriedades de ferramentas na usinagem, ocasionando resistência de 20% a 30% maior ao desgaste, algo impossível dez anos atrás. “Nanoestruturas são consideradas caras, mas representam melhor custo-benefício para o setor”, afirma Anselmo Duarte, professor da Faculdade de Engenharia Mecânica da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), que há anos é parceiro de pesquisa da Sandvik do Brasil. De fato, a pesquisa em nanotecnologia aplicada à indústria de metal duro é recente, mas inovações no setor prevêm que ferramentas de corte com microestruturas ultrafinas e nanoestruturas proporcionem maior resistência ao desgaste por abrasão e melhor relação entre dureza e tenacidade. No fresamento sem refrigeração de dentes de engrenagens, a velocidade de corte pode aumentar significativamente se comparada ao metal duro convencional, resultando em maior produtividade. “A nanotecnologia está presente não só na estrutura do metal duro, mas nos revestimentos dos mesmos”, explica José Gamarra, gerente técnico da Sandvik Coromant. Todas as pesquisas são desenvolvidas em laboratórios próprios da companhia, na Suécia, contudo os benefícios dessa tecnologia já podem ser sentidos a partir de algumas linhas de pastilhas de metal duro já disponíveis no Brasil e demais subsidiárias ao redor do mundo.
Localizada em São Carlos, interior de São Paulo (SP), a Nanox foi incubada na UFSCar (Universidade Federal de São Carlos) por três químicos empreendedores. Em 2006, com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), a Nanox começou a atuar com consultoria em nanotecnologia e, em seguida, desenvolveu um revestimento cerâmico com capacidade autolimpante. Com apoio de universidades e outros fundos de investimentos, a empresa apostou no NanoxClean, princípio antimicrobiano suportado em partículas cerâmicas, que mata as bactérias e impede sua proliferação. “O produto não tem toxicidade e seu uso não altera as propriedades físico-químicas dos materiais em que é aplicado”, explica Daniel Minozzi, diretor comercial da empresa, que hoje conta com a capacidade de mais de duas toneladas/mês de antimicrobiano. Com foco no mercado industrial, a Nanox tem laboratório próprio e uma cartela de clientes, que abrange setores como linha branca, área têxtil e embalagens alimentícias.
Por conta dessa aplicação em diferentes segmentos, inovar em nanociência é um esforço conjunto de empresas, governo, universidades e centros de pesquisa para maior integração entre ciência e mercado. Exemplo dessa parceria é o Laboratório Nacional de Nanotecnologia (LNNano), criado há um ano em Campinas, interior de SP. Por meio de acordos nacionais e internacionais, consultorias e empresas de prestação de serviços, o laboratório deve aproximar cada vez mais as pesquisas básicas das suas aplicações a partir da relação com o mercado. “O que falta para o Brasil disseminar suas tecnologias é a própria comunidade científica ter mais atitude na criação de produtos e processos, isto é, pensar em aplicações e riscos de suas descobertas”, afirma Fernando Galembeck, diretor do LNNano. Ele ainda prevê setores em que a nanotecnologia vai se desenvolver com mais afinco no Brasil, como agronegócios, alimentos, química, indústria automotiva, mineração, construção civil, meio ambiente e biomassa.
Parte dos investimentos para isso vem do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) por meio do Programa Nacional de Nanotecnologia (PNN), de 2004. Em oito anos, houve incentivo a 412 projetos de pesquisa e desenvolvimento em áreas como simulação e modelagem, nanobiotecnologia e nanotubos de carbono. O plano também apoiou a fundação de laboratórios regionais estratégicos e concedeu bolsas de mestrado (12), doutorado (6) e jovens pesquisadores (175 propostas). Segundo dados do próprio MCTI, o Brasil conta, atualmente, com 5.500 pesquisadores, entre alunos e professores, que se dedicam à nanociência. Os números parecem expressivos, mas conforme avalia Galembeck, falta “transpiração”. “Precisamos aumentar a competitividade industrial, qualificar profissionais e entender que, sem nanotecnologia, nossa produção será obsoleta”, diz.
Paralelamente à comprovação dos benefícios da nanotecnologia, surgem novas preocupações entre os cientistas, como acesso financeiro às descobertas e riscos à saúde e ao meio ambiente. Prova disso é o desenvolvimento de uma área específica de pesquisa, a nanotoxicologia, inclusive no Brasil (INCT – Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia). No entanto, na avaliação de Peter Schulz, professor do Instituto de Física Gleb Wataghin, da Unicamp, e especialista em nanociência, ainda pouco se fala em toxicidade dos materiais, especialmente em saúde humana, como medicamentos que utilizam nanopartículas à base de óxido de titânio e de zinco. “Elas são facilmente absorvidas pela pele sem que se conheçam ainda as consequências do uso prolongado do produto”, pondera. Ele cita outros exemplos de uso inconsequente de nanopartículas como bactericidas na fabricação de azulejos de uso hospitalar, filtros de água, aspiradores de pó e até de secadores de cabelo. “Uma mesma coisa, mas em escala nano, pode ser muito diferente. Uma substância não tóxica em dimensões micrométricas pode ser tóxica se for dividida em pedacinhos menores, porque a reatividade é maior. É como comparar dissolução de sal grosso e sal refinado em uma mesma quantidade de água”, comenta o físico, que vê na criação de protocolos específicos, esforços de regulamentação e ampliação de pesquisas boas possibilidades de investigar e combater os riscos da nanotecnologia.
Nanotecnologia é realmente uma revolução?
Em seu livro “A encruzilhada da nanotecnologia”, editado em 2009, Peter Schulz, que também é adepto da divulgação científica, analisa como os conceitos de nanociência são levados ao público. Nesse sentido, faz severas críticas às mídias – como a internet, com informações imprecisas e exageradas – e ao mito de “nanotecnologia salvadora da pátria” de todos os problemas da humanidade. “Nano virou marca, moda, algo usado com objetivo de venda sem limites. Isso conta muitas vezes com a cumplicidade dos próprios pesquisadores, que aproximam textos técnicos da ficção científica”, avalia o físico. Schulz também se preocupa com o caráter ultrainovador que é transmitido à sociedade. “Há muitos benefícios na nanociência, mas ela ainda precisa dizer a que veio, é cedo para falar em revolução”. A principal novidade, para ele, é a interdisciplinaridade da nanociência. “É um laboratório de conversa e questionamentos, o que amadurece, inclusive, a relação ciência-público”, conclui.
Não há ciência sem riscos, mas sem nanotecnologia a indústria ficará obsoleta.
Comparativamente, um átomo mede cerca de 2 décimos de um nanômetro e o diâmetro de um fio de cabelo humano mede cerca de 30.000 nanômetros.
A pesquisa na escala nanométrica utiliza métodos que podem ser usados de forma complementar ou não. As estratégias variam conforme material e aplicação:
Top down – microscopias de alta resolução e miniaturização, criando linhas de átomos cada vez mais próximas, semelhante a “blocos de pedra esculpidos”.
Tecnologia usual na microeletrônica. Bottom up – com microscópios de força atômica, é possível mudar a posição dos átomos, “construindo algo tijolo a tijolo”. Nesse caso, a matéria pode fazer arranjos autônomos ou sínteses químicas, como em inovações na nanoeletrônica.
Síntese química de nanopartículas – difundida nos anos 70, é a técnica mais antiga, barata e disseminada de controle nanométrico. A origem de nanocompósitos, que combinam nanopartículas e cerâmica, transformou a indústria de freios e motores, por exemplo, criando ligas mais resistentes. Tecidos inteligentes com maior conforto térmico também resultam da estratégia.
Automontagem – semelhante ao processo de desenvolvimento celular, é possível programar alguns materiais para se automontar. As pesquisas são recentes e sem utilidade prática.
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O lab. DEDALO do IEAv/CTA procurando parcerias para desenvolvimento tecnológico de dois processos. Temos um pedido de patente para fabricação de nanopartículas com uso de lasers, as quais podem ser usadas como aditivos inorgânicos em revestimentos, tintas, etc. O outro processo envolve a nanotexturização da superfície de ferramenas, moldes e matrizes.