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Competitividade sustentável

Que metodologias poderão ser adotadas para fazer frente ao paradoxo de produzir sem poluir, garantindo tanto o crescimento da indústria, quanto a sustentabilidade do planeta?

Desde quando as primeiras indústrias passaram a ter um número maior de concorrentes e a serem pressionadas a reduzir preços, precisaram encontrar um meio de aumentar suas margens de lucro, buscando um meio de produzir o máximo de bens com o mínimo de investimento.

Embora essa preocupação possa ser inata, sem dúvida ganhou notoriedade com o nascimento dos princípios da administração científica pregados tanto por Frederick Winslow Taylor, quanto pelo casal Frank e Lillian Gilbreth. Os Gilbreth, em 1912, enfatizaram o estudo dos movimentos em detrimento do estudo de tempos (que era a ênfase de Taylor), quando então desenvolveram técnicas para evitar o desperdício de tempo e movimento. Para tanto, criaram padrões, racionalizando as tarefas de produção e, consequentemente, aumentando a produtividade. Embora a indústria seja, provavelmente, o maior campo de aplicação de técnicas modernas de gestão, Gilbreth era um estudioso do campo da construção civil. Em seu tempo, foi inventor de dispositivos como andaimes móveis, misturadores de concreto, correias transportadoras, barras de reforço, tudo com o objetivo de evitar o desperdício de movimento, tentando, também, encontrar um meio de padronizar as sequências de operações dos trabalhos.

De certo modo, pode-se dizer que o pensamento voltado à melhoria de processos, no princípio, era mais enfatizado na engenharia civil, na construção de prédios, pontes e estradas. Contudo, no intervalo entre as duas grandes guerras mundiais, com a necessidade de se tornar a indústria mais produtiva, esta visão de implementar métodos e processos mais eficazes às linhas de produção migrou para a engenharia mecânica e seguiu se aprimorando até os dias de hoje.

Palavra de especialista

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Nelson Maestrelli, um dos sócios da Nortegubisian Consultoria Empresarial e Treinamento, mestre e estudioso do assunto, lembra que, de lá para cá, muitas práticas evoluíram. “No início, até a caixa de ferramentas pertencia aos próprios oficiais operadores, assim cada um devia possuir a sua caixa de uso pessoal. Quando um deles era contratado, precisava levar consigo todo o ferramental que iria necessitar, pois não era praxe que as empresas fornecessem ferramentas aos funcionários”, ressalta.

No Brasil, até as décadas de 1920-1930, antes da era Getúlio Vargas, isso ainda era uma prática. Nesse tempo, como a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) ainda não havia sido implementada, os funcionários eram responsáveis pelo próprio sustento, por isso todos levavam marmita, não recebiam pelas horas extras e trabalhavam até terminar a empreitada que houvessem se comprometido a cumprir.

As primeiras ferramentas de gestão

Com o estabelecimento das primeiras linhas de produção em massa é que surge um dos primeiros métodos de melhoria, conhecido por MASP – Metodologia da Análise e Solução de Problemas, que pode ser considerado o avô dos sistemas 8Ds da Ford (8 disciplinas: 1 – Definição do problema; 2 – Criação do time de trabalho; 3 – Busca da ação restritiva; 4 – Determinação da causa raiz; 5 – Verificação da causa raiz; 6 – Implementação da Ação Corretiva; 7 – Estabelecimento de ação de prevenção; 8 – Reconhecimento do trabalho do time), do PDCA (Plan; Do; Check; Action), do DMAIC (Define; Measure; Analyse; Improve; Control) e do Seis Sigma (conjunto de práticas originalmente desenvolvidas pela Motorola para melhorar sistematicamente os processos ao eliminar defeitos), todos eles métodos estruturados para solução de problemas.

Segundo Maestrelli, um método não implica, necessariamente, no uso de alguma ferramenta de melhoria. O que ocorreu, ao longo do tempo, é que não só os métodos foram se aperfeiçoando, como as ferramentas de apoio que foram sendo aplicadas em cada fase, no desenvolvimento de tais métodos, também foram sendo aprimoradas e, com isso, promoveram o surgimento de novas ferramentas. Um exemplo disso são as ferramentas de base estatística, que em verdade já eram conhecidas, contudo, hoje, por meio de um minitab (programa de computador desenvolvido para tablets e minitablets voltado para fins estatísticos), é possível tratar milhares de dados em alguns segundos, ou até simular várias alternativas do fluxo operacional de uma fábrica – o que no passado tomaria muito tempo. Em resumo, o ganho de velocidade no processamento de dados permite aos gestores testar um sem-número de situações até que a condição ideal seja encontrada, deste modo, quando se parte para a introdução de um novo processo, é possível fazê-la com a certeza de que se está implementando a melhor solução, pois todas as demais foram testadas virtualmente antes da aplicação considerada definitiva.

Para o consultor, só é possível analisar uma teoria com um pouco mais de isenção depois de um certo tempo. O trabalho de Taylor incentivou uma série de desdobramentos positivos. Um exemplo é a estrutura departamental utilizada pela maioria das empresas até hoje. Já a questão do custeamento das atividades operacionais na fábrica, em algumas situações, foi feito à revelia do que Taylor pensava, por isso não deu tão certo. Contudo, Taylor foi quem acabou levando a culpa.

Como migrar os conceitos que deram certo na fábrica para os escritórios?

O que se nota é que muitas novidades foram introduzidas nas linhas de produção desde então, como a implementação da tecnologia de grupo (Group Technology), a montagem de células de manufatura que operam com grupos autônomos de gestão e a introdução de novas filosofias de trabalho, como o Kaizen (palavra japonesa que significa melhoria contínua). Contudo, nos escritórios responsáveis pela gestão da fábrica, quase nada mudou, ou seja, não só a questão dos layouts, mas as rotinas não mudaram e, muitas vezes, se valem ainda hoje das mesmas práticas antigas e pouco eficientes. Obviamente, existem exceções, mas, comparativamente e no geral, os escritórios não acompanharam o mesmo ritmo de mudanças do chão de fábrica. Não se trata apenas de mudar a impressora e a máquina de café de lugar para reduzir deslocamentos ou o tempo improdutivo do pessoal, deveria, sim, haver uma rearquitetura funcional que pudesse se harmonizar com a velocidade e flexibilidade da fábrica.

Um bom exemplo da aplicação de técnicas mais modernas feitas em ambientes não fabris é o conhecido “Poupa Tempo”, prática que foi implantada em várias regiões da Grande São Paulo, pois tudo o que o cidadão precisa para a obtenção ou renovação da validade de algum documento se encontra no mesmo endereço. A pessoa pode tirar a foto 3×4, fazer o exame médico, pagar as taxas da prefeitura, obter um protocolo, fazer cópias, reconhecer firma, tudo em um lugar só. Deste modo, um documento que levaria, ao menos, duas semanas para ser obtido leva apenas uma ou duas horas. Com certeza, práticas como essa podeiam ser extendidas a muitos setores que dão suporte às linhas de produção. Para Maestrelli, o grande mérito do “Poupa Tempo” foi juntar profissionais e escritórios diversos de especialidades diferentes, colocando-os um ao lado do outro para que os cidadãos pudessem transitar menos pela cidade na hora de resolver seus problemas com documentação. No chão de fábrica, contudo e, além disso, existem, ainda, os profissionais multifunção, que tocam várias estações de trabalho ao mesmo tempo, ou se responsabilizam por mais de uma função em uma ou mais células de trabalho, o que pode acelerar o fluxo de produção, além de gerar outras economias.

Boa parte da economia gira em torno dos serviços e é mais difícil fazer a alocação de custos, principalmente, se as empresas executam trabalhos que não são repetitivos. A teoria da lean manufacturing, aplicada com êxito em linhas de produção, não pode ser transferida diretamente para as linhas de serviços, pois há variáveis, como o tempo takt (frequência em que o produto deve ser produzido, sincronizando o ritmo de produção com a demanda do cliente), por exemplo, que no campo dos serviços não faz sentido. Há gestores que acreditam ser possível aplicar conceitos e teorias que deram certo no chão de fábrica nos escritórios, contudo, como os ambientes, a cultura, e as circunstâncias são tão diversas, não se tem notícias de que isso tenha dado bons resultados em algum lugar. É preciso debruçar-se sobre a questão dos serviços para encontrar métodos e rotinas que otimizem a produção dos escritórios, talvez focando todo o escopo da área, enquadrando não só um setor de apoio, mas estudando, também, as interconexões existentes entre os vários departamentos, levando em conta o mix de procedimentos ou rotinas, a mão de obra, o histórico de custos do que for repetitivo, a rentabilidade de cada posto e tipo de atividade e os respectivos gastos, para buscar alguma forma de padronização. A ideia é tentar estruturar, de forma lógica, um ambiente que costuma trabalhar de forma caótica.

Toda metodologia tem limites

Voltando para o chão de fábrica e a evolução dos métodos de gestão, um dos exageros cometidos nos tempos da consolidação da produção em massa foi a tentativa de se estabelecer os tempos padrões para o desempenho dos operadores, transformando-os em robôs vivos, que só executassem tarefas sem pensar, não tendo ideia do que e por que faziam o que faziam. Nesse período, os gestores queriam otimizar ao máximo toda a movimentação, pois cada segundo ganho em uma produção seriada e massiva significaria um grande ganho ao final de alguns meses de trabalho. À época, os paradigmas eram “máquina boa é máquina que está funcionando”, “funcionário bom é o que está fazendo alguma coisa”, mas sem se preocupar se era o que realmente deveria estar fazendo; “operador é para operar e não pensar”, e assim por diante.

A certa altura, no entanto, com o aumento da oferta, os clientes começaram a ser mais exigentes e para conquistar a preferência desses, as empresa se viram forçadas a diferenciar os produtos, procurando adaptá-los aos diferentes gostos e desejos de cada distinto grupo de consumidores. Com isso, a produção em massa de um mesmo modelo de bem (automóvel, refrigerador, máquina de lavar, fogão etc.) já não atendia a um mercado mais segmentado, pois os lotes diminuiram, a variedade de famílias de peças aumentou e, com isso, houve um grande acréscimo nos tempos de preparação de máquinas operatrizes. Gastava-se muito mais tempo preparando a linha no chão de fábrica, do que produzindo efetivamente. Era necessário encontrar novos paradigmas, novos padrões, novos métodos de produção.

Novas ideais são fáceis, o difícil é livrar-se das antigas

O Japão, por ter sido totalmente destruído ao longo da segunda grande guerra, quando começou a se restruturar, já começou de forma mais moderna, com base em novos pensamentos e estratégias de produção. Posteriormente, os Norte Americanos, como mantiveram a indústria funcionando o tempo todo, precisaram se transformar, mudar o que estava estabelecido para chegar aos métodos mais arrojados de produção implantados com sucesso pelos Japoneses e, como se sabe, mudar uma cultura costuma dar bem mais trabalho do que começá-la do zero.

Com a necessidade de se trabalhar com maior variedade de lotes, de quantidades variadas de peças, tudo o que se havia pensado e se ajustava perfeitamente ao modelo “produção em massa” entra em crise, pois era dada a partida em direção ao que, hoje em dia, poderia ser chamada de produção caótica, customizada (feita sob medida para cada cliente – customer em inglês).

O aumento da diversidade de processos introduzidos no ambiente fabril, gerou muitas preparações de máquinas e muita movimentação no chão de fábrica. Com isso, surge também a necessidade de se evoluir com a gestão da qualidade. Deste modo, surgiram ferramentas como o PDCA e estratégias como a formação de grupos de CCQ (Círculos do Controle da Qualidade – grupos autônomos para investigar problemas e sugerir melhorias de processos, rotinas etc), 5S (metodologia de trabalho que usa uma lista de cinco palavras japonesas: Seiri = Classificar, Seiton = Organizar, Seiso = Limpar, Seiketsu = Normatizar e Shitsuke = Manter) para que as tantas mudanças não afetassem o resultado final da empresa, em termos de superar as expectativas dos clientes quanto ao desempenho dos produtos. Foi nesse ambiente que surgiram os movimentos de certificação da qualidade como, por exemplo, a criação e o estabelecimento das normas ISO 9000.

Flexibilizar para diversificar

Foi na década de 80, quando os sistemas de qualidade e produção já estavam voltados para a diversidade, que se estruturou a ideia da lean manufacturing (manufatura enxuta, ou seja, sem falta, nem sobra de materiais ao longo do fluxo produtivo). Alguns autores também a chamam de Sistema Toyota de Produção, por ter sido a Toyota uma das empresas pioneiras em sua aplicação. Trata-se de uma filosofia de gestão focada na redução de sete tipos de desperdícios (superprodução [1], tempo de espera [2], transporte desnecessário [3], excesso de processamento [4], inventário [5], movimentos desnecessários [6] e defeitos [7]), pois eliminando esses desperdícios, a qualidade melhora e o tempo e o custo de produção diminuem.

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As ferramentas “lean” incluem processos contínuos de análise como o Kaizen (melhoria contínua), produção puxada ou “pull” (puxar em inglês), auxiliada pelas práticas de priorização das ordens de produção (OPs) pelo sistema Kanban (palavra japonesa que significa literalmente registro ou placa visível, que se vale de um painel de fichas, com o número das Ops, nas cores vermelho – produza já; amarelo – produza em seguida; verde – podemos esperar ou produza depois das amarelas), além da implementação da prática de elementos ou processos à prova de falhas, conhecidos como Poka-Yoke (palavra japonesa que significa dispositivo à prova de falhas).

As origens da Lean Manufacturing

A lean manufacturing tem uma origem diferente das demais ferramentas de melhoria, pois todas as outras surgem, após a segunda grande guerra, em momentos históricos de carência de recursos. O pensamento lean surge com James P. Womack, que era diretor de pesquisa do International Motor Vehicle Program (IMVP) no Massachusetts Institute of Technology (MIT), em Cambridge. Ele foi o fundador do Lean Enterprise Institute. Resumidamente, Womack montou uma equipe de pesquisadores que saíram pelo mundo investigando as melhores práticas de organização e gestão de chão de fábrica das principais montadoras do mundo (justamente porque formavam a cadeia mais competitiva). Com base no levantamento e análise do que foi encontrado, desenvolveram, então, a teoria da lean manufacturing, que congrega um apanhado das melhores práticas comuns as tais empresas pesquisadas e que Womack chamou de métodos gerenciais modernos. O êxito da aplicação do método foi, posteriormente, migrando para, praticamente, todas as montadoras e alcançando também outras áreas e linhas de produção de outros ramos de atividade.

Há quem confunda a lean manufacturing com sistemas puxados de produção ou Sistema Toyota de Produção, porém eles não são a mesma coisa. A lean manufacturing abrange quatro princípios: Máxima Qualidade [1]; Mínimo Inventário [2]; Máxima Disponibilidade [3] e Mínimo Fluxo (*) [4]. Dentro desses princípios, há aqueles que já eram utilizados desde a década de 50. A utilização de Células de Manufatura, por exemplo, nasceu na Rússia, na década de 50. Então, como podem ser incluídas como criação dos Japoneses por meio do método Toyota de Produção

Dentro do princípio da Máxima Qualidade, encontram-se ferramentas como os PDCAs, 5S, CCQ, CEP (Controles Estatísticos de Processos), FMEA (Failure Mode and Effects Analysis), TQM (Total Quality Management) etc. Dentro do princípio do Mínimo Inventário, encontram-se ferramentas como o Kanban, o JIT (Just in Time) etc. Dentro da máxima disponibilidade da linha produtiva, encontram-se ferramentas como a Total Productive Maintenance (TPM) e indicadores como o OEE (Overall Equipment Effectiveness – índice global do rendimento dos equipamentos); sitemas de troca rápida de ferramentas ou de pallets inseridas na filosofia de trabalho SMED (Single Minute to Change a Die), Poka-Yoke etc. Dentro do princípio do Mínimo Fluxo, encontram-se a Tecnologia de Grupos de famílias de peças, os layouts celulares (Células de Manufatura), os Sistemas Integrados de Manufatura Flexível, rotinas de trabalho padronizado etc. Quem aplica apenas parte destes princípios não está praticando a lean manufacturing, pois esta se origina do somatório de uma seleção de teorias que vieram de diferentes épocas e de distintos países.

(*) Alguns autores também chamam o princípio do Mínimo Fluxo de princípio da Máxima Velocidade.

Metodologia Seis Sigma

Enquanto a lean manufacturing tem seu nascimento vinculado à indústria automobilística, a teoria do Seis Sigma, ou Six Sigma (em inglês), é um conjunto de práticas originalmente desenvolvido pela Motorola para melhorar sistematicamente os processos, assim como eliminar as possibilidades de defeitos. Um defeito é definido como a não conformidade de um produto ou serviço com suas especifica-
ções. O sistema Seis Sigma também é definido como uma estratégia gerencial para promover mudanças nas organizações, fazendo com que se chegue a melhorias nos processos, produtos e serviços para a satisfação dos clientes. Diferente de outras formas de gerenciamento de processos produtivos ou administrativos, o Six Sigma tem como prioridade a obtenção de resultados de forma planejada e clara tanto de qualidade, como principalmente financeiros. Enquanto muitas empresas temiam que a busca pela qualidade total, pela condição de zero defeitos pudesse elevar os custos, a Motorola percebeu que ao estabelecer processos que lhe garantissem máxima qualidade, sem refugos, sem defeitos, fazendo certo da primeira vez, ela eliminava gastos provenientes de consertos, retrabalhos, reclamações de clientes, enfim, custos com a não qualidade, ou seja, os custos finais de produção eram menores, havia, praticamente, zero reclamações por parte dos clientes que acabavam comprando mais e recomendando mais, dada a maior confiança e satisfação obtida com o uso de algo de excelente qualidade. Da Motorola, a filosofia Seis Sigma migrou para a GE, ainda nos tempos de Jack Welch, consagrado CEO (Chief Executive Oficcer) da companhia entre as décadas de 80 e 90 que, em um de seus pronunciamentos aos acionistas, alegou que parte do grande sucesso da empresa se devia à essa metodologia e, com isso, ajudou a propagar o pensamento Seis Sigma para o mercado industrial de modo geral. Na GE, a metodologia promoveu grande êxito, principalmente nas linhas de fabricação dos produtos mais complexos, como no caso das turbinas de avião, entre outros. Talvez, por conta da origem na Motorola, a metodologia se disseminou primeiro na indústria de eletroeletrônicos e não na indústria automotiva, como ocorreu com a lean manufacturing. Embora tendo nascido em circunstâncias, ocasiões e indústrias diferentes, como ambas as metodologias geravam bons resutados, em dado momento os movimentos se encontraram. Provavelmente, até pelo fato de nos automóveis mais modernos haver muita aplicação de componentes originados na indústria eletrônica, o contato de gestores de uma indústria com os gestores da outra proporcionou o nascimento da ideia da metodologia Lean Seis Sigma, que combina a lean manufacturing com a filosofia de trabalho Seis Sigma.

Quem pode se beneficiar com a metodologia Lean Seis Sigma?

De acordo com Maestrelli, os princípios da lean manufacturing e também os da lean seis sigma podem ser utilizados em qualquer tipo ou tamanho de empresa. Porém, dependendo do tipo de empresa, algumas ferramentas de gestão podem se tornar mais importantes do que outras. Se compararmos, por exemplo, a indústria aeronáutica, com a de vestuário, ou com outra que produza rodos e vassouras, alguns pré-requisitos podem mudar completamente e as prioridades poderão vir em ordens diferentes, portanto sempre implica em levantamentos preliminares. A capacidade de investimento também pode influenciar as implementa-
ções. Uma grande empresa pode investir em um maior número de licenças de softwares estatísticos (minitabs, por exemplo) para cáculos sofisticados, pode investir em equipamentos para filmar os setups (preparações de máquinas), enquanto uma empresa mais humilde faz os cáculos manualmente e não tem condições de fazer filmagens e assim por diante. Outro fator de influência é a cultura tecnológia e administrativa, além da visão de futuro dentro de cada empresa que costuma ser bastante distinta. No caso de um VSM (Value Stream Mapping – técnica para mapeamento de fluxo do valor ao longo da cadeia produtiva), é possível comprar softwares dedicados a essa finalidade, baixar softwares livres na internet ou ainda fazer manualmente.

Grandes empresas costumam ter departamentos de engenharia compostos por equipes de engenheiros bem treinados, que, muitas vezes, sozinhas, podem dar conta da implementação completa de um sistema lean seis sigma, contudo a pequena e média empresa que empregam cerca de 80% da mão de obra do país, de modo geral, precisam de auxílio externo. Ocorre, frequentemente, de empresas menores que fornecem para as grandes corporações acabarem tomando contato superficial com tais tendências e, por vezes, partem para uma implementação caseira e sem a necessária base de conhecimento e, por isso, acabam se equivocando e não obtendo os resultados desejados. De certo modo, pode-se dizer que a era do amadorismo acabou.

O papel das consultorias na implementação dos modernos métodos de gestão

Com o propósito de suprir esse tipo de necessidade, também das grandes, mas principalmente das médias e pequenas empresas, é que surgiram as consultorias especializadas em métodos de industrialização. Maestrelli informa que, dependendo dos anseios da empresa contratante, tanto quanto do estágio de desenvolvimento em que se encontra, quatro situações são as mais comuns:

  • A consultoria faz tudo sozinha e entrega a linha funcionando.
  • A consultoria faz a implementação em conjunto com profissionais da contratante.
  • A consultoria ensina e treina e a contratante faz a implementação por conta própria.
  • A consultoria ensina primeiro, treina, aplicando junto com o cliente e quando o mesmo se sente apto a ficar sozinho, a consultoria sai do esquema.

Nas palavras do especialista, a consultoria ideal é aquela que não faz da empresa contratante uma eterna dependente. Para Maestrelli, o primeiro passo é saber se uma determinada empresa interessada no sistema lean seis sigma realmente precisa dele. Em certas ocasiões, a implementação de apenas uma ou duas ferramentas de gestão pode promover resultados suficientemente satisfatórios.

Para se ter uma ideia de tempo, em muitos casos, empresas podem começar a obter resultados com projetos de 100 a 200 horas, obviamente isso depende de quantas pessoas estiverem envolvidas e da disponibilidade de cada uma delas para dedicarem-se aos projetos de mudanças.

Identificando barreiras e desafios

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Maestrelli diz que o mais difícil não é obter melhorias de processos, mas sim manter os resultados ao longo do tempo. Isso vale não só para as consultorias, mas também para quando uma empresa implementa melhorias de modo autônomo. O consultor acrescenta que raramente encontrou resistência nos níveis operacionais, pois estes costumam ser mais abertos para receberem as novidades. Em geral, as maiores resistências estão na média gerência (supervisores, líderes, gerentes) que demonstram temor em enfrentar o desconhecido. Partir de uma realidade que se tem controle, para uma em que as vulnerabilidades, em termos de conhecimento do moderno, ficarão mais expostas, despertam temores e resistências.

Pare ele, fica mais fácil trabalhar em empresas que já se habituaram a passar por processos de mudanças, como, por exemplo, as certificações em normas de qualidade como a ISO 9000. Como analogia, citou que é mais fácil ensinar alguém a dirigir defensivamente quando esse alguém já tirou a carta de habilitação, lembrando que também é importante saber como esse alguém obteve essa carta. Quando a empresa já possui uma cultura favorável à introdução de melhorias, os projetos caminham melhor.

A lean manufacturing não implica em estruturas predefinidas de hierarquias, já o sistema seis sigma sim, pois prevê, de modo geral, 3 níveis de lideranças os green belts (faixas verde), os black belts (faixas preta) e os master black beltas (mestres faixas preta), inspiradas nas graduações utilizadas na prática do judô. Para que um profissional seja outorgado como green, black ou master black belt, vai depender do nível hierárquico dentro da companhia, do poder de decisão, do envolvimento nos projetos, do conhecimento que possui sobre as ferramentas lean e da capacidade de liderança. Nem todas as empresas utilizam essa mesma classificação, pois há empresas que instituíram também outras cores de faixas, aumentando os níveis hierárquicos. No sistema lean seis sigma, há quem o implante sem instituir os belts, todavia quase sempre há a instituição de um tipo de cadeia de ajuda, embasada em matriz de competências, em que cada funcionário envolvido é bem treinado para saber até onde vai a sua respectiva jurisdição no processo de tomadas de decisão e no processo de introdução de ações corretivas.

Dados e comparações com outros países

Em pesquisa feita em 2008, de 700 empresas pesquisadas que aplicavam a lean manufacturing, 80% eram empresas de manufatura, 15% eram empresas de serviços e 5% eram empresas de administração pública, panorama que se acredita não ter mudado muito as proporções de lá para cá. Outro dado da pesquisa mostrava que na Alemanha, Dinamarca, Suécia e França, acima de 50% das empresas pesquisadas aplicavam lean manufacturing; na República Tcheca, Suíça e Itália, menos de 50% aplicavam a metodologia. Isso demonstra que o cenário econômico e a intensidade dos níveis de concorrência instalados em cada país também podem influenciar a alavancagem na introdução de novos métodos de gestão.

Ao que parece, apesar das dificuldades que a indústria nacional precisa enfrentar com os altos impostos, com as altas taxas cobradas para financiamento, com os elevados encargos aplicados à mão de obra, ainda há espaço para que as empresas se tornem bem mais competitivas, contudo muitas partem para a importação pura e simples. Se por um lado o custo da peça pronta importada representa um valor inferior do que o custo direto de produzir localmente, porque a matéria prima é 30% mais barata, por outro lado, é preciso importar um container cheio, aumentando-se o custo com espaço para armazenamento, talvez o aluguel de um barracão extra, mais empilhadeiras, mais movimentação, maiores estoques, porque o lead time (tempo para obter a peça pronta) é maior do que o que tinha antes quando produzia internamente, menos flexibilidade, além da dúvida se o produto importado vai manter o padrão de qualidade necessário, assegurando a boa imagem, senão haverá um aumento de retrabalho e refugo, ou seja, nem sempre trocar a produção local pela importação resultará em sucesso.

Perspectivas para o futuro

Questionado sobre quais as tendências mais recentes sobre o que deve vir depois do lean seis sigma, Maestrelli disse que os movimentos atuais do mercado demonstram que as empresas que mais obterão bons resultados serão aquelas capazes de inovar mais rapidamente do que a concorrência, ou as que conseguirão produzir o esperado, porém por custos tão menores que lhes permitam ser lucrativos. Quanto ao futuro, o especialista acredita que todas as ferramentas de gestão atuais continuarão sendo aplicadas, contudo não considerando apenas os aspectos ligados à qualidade e à produtividade, mas também o aspecto sustentabilidade ecológica, ou seja, trabalhar com o mínimo de recurso necessário, descartando o mínimo de efluentes, contribuindo para o máximo reaproveitamento possível de insumos. Essas tendências contribuirão para a consolidação de um novo conceito, que vem sendo chamado de Frugal Innovation
(inovação frugal). Esse conceito está surgindo a partir dos países chamados BRICs (Brasil, Rússia, Índia e China) e consiste em identificar o tamanho de uma necessidade e desenvolver um produto ou serviço que responda a tal necessidade, contudo fazendo uso de técnicas que se adaptem às características do público focado e dos recursos locais. Para tanto, é possível que se consolidem práticas como a Eco Value Stream Mapping, ou seja, a execução de um mapeamento do fluxo de valor das atividades de um determinado processo, que também contemple as questões ecológicas, garantindo, desse modo, que a produção assegure o desenvolvimento de linhas de produção ecologicamente sustentáveis.



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