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A difícil tarefa de demitir

Todos sabem que ninguém tem a garantia de emprego por toda a vida. Mas isso não significa que as demissões possam acontecer de maneira desmedida ou despreocupada.

Todos sabem que ninguém tem a garantia de emprego por toda a vida. Mas isso não significa que as demissões possam acontecer de maneira desmedida ou despreocupada. Demissões trazem desconforto tanto para quem perde o emprego, quanto para os colegas que continuam na empresa e para quem precisa dar a notícia e executar o processo.

As pessoas que ocupam posições de liderança, cedo ou tarde, se deparam com a necessidade de demitir alguém. E por mais que essa decisão venha da cúpula da empresa, a hora de lidar com as pessoas olho no olho e dizer-lhes que estão dispensadas é uma tarefa individual e intransferível. É uma tarefa que não pode ser delegada. É só sua.

Demitir alguém é uma experiência dolorosa, mas às vezes inevitável. Por isso, é muito importante que você esteja bem preparado para esse momento. A demissão pode (e deve) ser um processo menos traumático para o demitido, para quem precisa dar a má notícia e também para os que ficam na empresa.

Saber conduzir um processo de demissão é dever de todos os líderes! Na hora da contratação tudo é pensado, planejado, aprovado. As empresas investem com rigor na qualificação de seus gestores para que possam ser assertivos na hora de contratar seus empregados, afinal é muito importante saber encontrar a pessoa certa para o lugar certo.

Infelizmente, com as demissões, não se observa o mesmo cuidado: ausência de feedbacks anteriores, economia nas palavras, frieza nas atitudes, falta de clareza quanto ao verdadeiro motivo que originou o desligamento são algumas falhas. As demissões não deveriam ser assim, mas ainda são na maioria das vezes em que acontecem.

Do mesmo modo como ocorrem as contratações, o líder precisa se preparar, estudar, compartilhar experiências com outros profissionais e, principalmente, ter em mente que, ao lidar com pessoas, o respeito e a empatia devem estar sempre presentes, inclusive no momento difícil de uma demissão.

A grande maioria dos cursos de graduação ou pós-graduação, assim como os principais programas de treinamento destinados à liderança, raramente aborda esse tema. Se o líder precisa ser qualificado para contratar, é evidente que também precisa o ser para demitir.

As demissões não podem acontecer ao bel-prazer dos gestores ou pelos movimentos mais críticos da organização. Por isso, é necessário tomar alguns cuidados essenciais. A empresa deve construir uma política clara para as demissões a fim de evitar as situações arbitrárias e subjetivas. As organizações devem adotar políticas que estejam acima dos gestores. Uma boa política de demissão, por exemplo, é aquela que começa com a seguinte pergunta: por que você está demitindo

É trabalho dos líderes evitar qualquer tipo de problema legal que afete a empresa, especialmente nos momentos de demissão. Também é preciso estar atento às demissões que possam ser consideradas discriminatórias.

As demissões jamais devem ser comunicadas por telefone, telegrama, e-mail, listas e, principalmente, através do pessoal do RH. Elas devem acontecer olho no olho, assim como ocorre na admissão.

O líder não deve tomar nenhuma medida precipitada antes da demissão oficial como, por exemplo, cancelar a conta de e-mail do colaborador ou bloquear o seu acesso ao sistema da empresa antes de comunicar o seu desligamento.

É preciso estar consciente que qualquer tipo de desrespeito no momento da demissão pode trazer retaliações e denegrir a imagem da empresa no mercado – ainda mais nos dias de hoje, em que as mídias sociais têm poder para reforçar ou comprometer uma marca de forma imediata e extremamente abrangente.

Vários são os motivos que podem ocasionar uma demissão, mas, no geral, eles se concentram em problemas de conduta, problemas de performance ou algum tipo de reestruturação pelo qual a empresa esteja passando.

As estatísticas demonstram que 87% das demissões acontecem por razões comportamentais e apenas 13% delas por razões técnicas. Esses são dados alarmantes, pois podem indicar que os gestores estejam usando critérios diferentes e antagônicos para proceder com as admissões e as demissões. É muito comum ver as empresas contratando ou promovendo as pessoas mediante sua qualificação técnica e experiência profissional. Mas, a partir daí, essas mesmas pessoas são cobradas, avaliadas e, por vezes, demitidas devido à sua postura ou comportamento no dia a dia. Diante dessa situação, não fica difícil compreender porque algumas empresas encontram tantas dificuldades para reduzir seus níveis de turnover.

Dentre as falhas de comportamento que mais causam demissões figuram a falta de comprometimento, o mau humor, a desorganização, a falta de cooperação, dificuldades de relacionamento, dificuldade para trabalhar em equipe e uso excessivo das redes sociais. É muito importante que a empresa se utilize de boas técnicas de contratação, avaliação de desempenho e feedback, para que possa minimizar os impactos negativos que esses comportamentos trazem para o clima organizacional.

Digamos que a demissão esteja sendo provocada por problemas sérios de conduta; o funcionário lesou a empresa de alguma forma ou feriu seu código de conduta. Antes de qualquer ação, é preciso analisar, investigar e auditar o caso com todo o cuidado. Se confirmada a suspeita, aí sim cabe a demissão sumária e todas as demais medidas necessárias.

Nos casos de problema de performance, a demissão jamais deve ser a primeira alternativa. Digamos que o funcionário esteja apresentando uma queda acentuada em suas vendas, por exemplo, enquanto todas as demais atividades da empresa vão de vento em popa. A ação mais adequada seria fornecer um feedback corretivo efetivo à pessoa, apresentando evidências concretas do problema e informando que a partir daquele momento ela estará sob uma avaliação mais criteriosa, durante um período de correção. Vale ressaltar que o papel do líder, nestes casos, é oferecer o apoio necessário para que a pessoa tenha condições de se redimir e faça um acompanhamento efetivo. Caso ela não apresente melhoria ou não se mostre comprometida com o próprio desenvolvimento, a demissão pode passar a ser uma alternativa.

Outro motivo se configura nos momentos de reestruturação organizacional. Na minha opinião, esse é o mais difícil de todos, pois geralmente não permite a utilização de nenhum fato ou evidência específica. Trata-se de um daqueles famosos motivos de “força maior”.

Esse cenário fica ainda pior quando constatamos que muitos gestores utilizam essa justificativa em praticamente todas as demissões, simplesmente por não estarem devidamente preparados para esse momento ou porque acreditam que, no momento de uma demissão, quanto menos for falado melhor. Independente das crenças que se tenha acerca de um processo de desligamento, se apoiar na “muleta” da reestruturação é sinal de despreparo e desrespeito para com a outra pessoa.

Se a empresa está reorganizando a sua operação e sobrou gente em uma determinada área, uma boa alternativa seria avisar as pessoas sobre o que está acontecendo para que elas não fantasiem demasiadamente sobre a realidade. Outra opção interessante seria dar um prazo para as pessoas procurarem novos empregos, ou ainda permitir que os funcionários procurem outras vagas dentro da própria empresa, divulgado as oportunidades existentes e incentivando- -os a se candidatarem a elas.

Se você está lidando com um caso extremo, precisa fechar uma fábrica inteira e isso representa uma redução em grande escala, seja ainda mais prudente. Talvez seja interessante estudar a possibilidade de adotar um plano de demissão voluntária, conceder algum tipo de ajuda financeira, prolongar a validade do plano de saúde e do seguro de vida, enfim ajudar com o que for possível. E, mais uma vez, procure anunciar com o máximo de antecedência.

Não se esqueça de que quando você demite não está apenas colocando um funcionário indesejável porta afora, você está dando exemplo para os funcionários que ficam. E é do desempenho de quem fica que depende o futuro da empresa, inclusive do seu próprio emprego. Tenha a consciência tranquila de que ninguém, absolutamente ninguém, coloque em dúvida que o colega demitido foi tratado com justiça, respeito e dignidade.

Para que você possa se preparar ainda melhor para este momento, segue abaixo um roteiro que pode ser bastante útil. Funciona como um check-list dos aspectos que estão sob a sua responsabilidade.

1. O processo da demissão deve ser planejado detalhadamente, neste ponto o suporte da área de RH é fundamental.

2. Tenha em mente, com clareza, o real motivo da demissão e, acima de tudo, comunique- o com transparência e objetividade. É direito da pessoa saber o verdadeiro motivo pelo qual ela está sendo desligada de seu emprego, para que tenha a oportunidade de melhorar isso no futuro. Acredito que uma demissão concretamente justificada é também um sinal de responsabilidade social

3. Convoque o demitido para uma reunião. Ela tem de ser curta (cerca de 10 minutos de duração), pois a pessoa geralmente perde a capacidade de raciocínio quando recebe uma notícia dessas e não será capaz de ouvir nenhum tipo de discurso ou argumentação. O momento da demissão não prevê o que popularmente se conhece por “DR” (discussão da relação), o que deveria ter sido feito nos momentos de feedback.

4. Dê a notícia na parte da manhã, em uma sala em que se possa ter uma conversa reservada e sem interrupções. De preferência, faça isso em uma segunda-feira, pois a pessoa pode agir imediatamente na busca de sua recolocação, ao invés de colocar sua atenção exclusivamente no aspecto negativo dessa situação.

5. Prepare-se para administrar a reação emocional do demitido. Se ele se descontrolar, mantenha-se calmo e não tente discutir. Tudo o que você falar servirá de munição para deixá-lo ainda mais nervoso.

Cursos e treinamentos não preparam líderes suficientemente bem para a prática da demissão de funcionários.

6. Saiba controlar seus próprios sentimentos, que podem ser semelhantes aos do demitido. Por exemplo, o demitido pode estar frustrado e com raiva porque está sendo desligado da empresa; você pode estar frustrado e com raiva pelo fato desta pessoa não ter aproveitado todas as chances que você lhe deu. Note que os sentimentos são os mesmos – raiva e frustração – o que muda é a origem deles.

7. Explique claramente o que precisa ser devolvido e o que pode ficar com o demitido. Diga quando e como ele deve limpar as gavetas, quando e como deve devolver os documentos e materiais da empresa.

8. Esteja pronto para responder perguntas como “Posso voltar para minha sala?” ou “Posso usar minha secretária para receber recados?”, ou ainda “Se surgir uma nova oportunidade dentro da empresa, você me contratará novamente?” Para isso, é fundamental que a empresa se fundamente em uma política específica para os processos de desligamento.

9. Se ele perguntar se pode dar seu nome como referência, pense com cuidado. Diga sim se você realmente estiver disposto a fazer isso de bom grado. Verifique também a política de fornecimento de referências adotada pela sua empresa.

10. Faça-o assinar a documentação antes de deixar a sala. Se os documentos não forem devidamente assinados, a demissão não se concretiza. Trata-se de um instrumento legal e uma exigência das leis trabalhistas. Se o demitido se recusar a assinar, você pode recorrer a uma testemunha, desde que seja uma pessoa da empresa.

11. Faça um roteiro de tudo o que ele deve fazer assim que deixar a sala: ir até o departamento de RH, até o departamento médico ou de segurança, retornar para o seu posto de trabalho ou voltar para casa.

12. Quando possível, ajude o demitido a se recolocar. Diversas são as oportunidades da empresa conceder esse auxílio: banco de currículos, programas de outplacement, contratos específicos com consultorias de recolocação etc.

13. Prepare e informe imediatamente as pessoas da equipe sobre o desligamento, comunicando, inclusive, se haverá mais demissões. Comunique também o tratamento justo e respeitoso que é dado aos demitidos.

14. Cuide da comunicação interna e externa. Dentro da empresa, você pode utilizar a intranet ou os demais canais de comunicação interna que a empresa possuir. Para o mercado, cabe a você fazer a comunicação. Nunca deixe que o “novo” colaborador comunique a saída do anterior.

Independente de todas essas estratégias de preparação, é importante ter em mente que um processo de desligamento combina com respeito, responsabilidade e empatia. Procure dar ao demitido o tratamento que você gostaria de receber se tivesse que passar por essa situação. Como é mostrado nessa citação de Blaise Pascal, “Em cada ação, devemos olhar além dela – para o nosso passado, presente e futuro e para as outras pessoas que ela afeta – e, perceber a relação entre todas essas coisas. E, então, devemos ser muito prudentes”.

Um grande abraço e até breve.



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