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Eficiência energética: muito além da crise do setor de energia elétrica

Os ajustes nas tarifas de energia elétrica, em março desse ano, resultaram em um aumento de mais de 30% no custo de energia para a indústria brasileira. A soma da crise hidrológica com a retração econômica forçou a indústria a repensar as estratégias de gestão de energia no chão de fábrica. O que para muitos países se trata – há décadas – de cultura industrial e política pública, para a sobrevivência da indústria brasileira, a eficiência energética tornou-se pauta fundamental.

O mês de agosto começou com notícias mais animadoras para o setor de energia elétrica brasileiro. Uma delas foi divulgada pelo Governo Federal no dia 11 de agosto, que declarou investimentos de R$ 186 bilhões na área. O pacote acontece através da criação do Programa de Investimento em Energia Elétrica (PIEE), que busca ampliar a competitividade no setor e, consequentemente, diminuir os custos para os consumidores. Dias antes, o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) havia anunciado o desligamento de 21 usinas térmicas de maior custo. O governo estima que a medida permita uma economia de R$ 5,5 bilhões até o final do ano.

Com isso, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) discute em audiência pública – enquanto essa matéria é escrita – a proposta de redução da bandeira vermelha – atual bandeira nos principais estados brasileiros desde a criação do sistema de bandeiras tarifárias (veja mais no quadro), em janeiro deste ano – de R$ 5,50 para R$ 4,50 a cada 100 quilowatts-hora (kWh) consumidos. Segundo a Aneel, a partir da decisão do CMSE, a Agência simula o impacto disso no nível de receitas de bandeiras tarifárias necessário no segundo semestre de 2015. “A proposta foi baseada na expectativa de que não voltem a ser despachadas as térmicas com CVU [Custo Variável Unitário] maior do que R$ 600/MWh em 2015, considerando a previsão de PLD [Preço de Liquidação das Diferenças] médio mensal no segundo semestre”, de acordo com informativo da Agência.

Ainda que as previsões indiquem uma melhora no quadro energético brasileiro, até o início de julho as notícias eram norteadas pelo aumento do custo da energia elétrica. A melhora das chuvas, principalmente no Sudeste – região responsável por cerca de 80% da geração de energia do País – colaborou para um novo fôlego no setor desde o ápice da crise hídrica, em 2014. Os consumidores cativos (pessoas físicas ou jurídicas vinculadas à concessionária que atende seu endereço) foram os mais afetados com as mudanças nas tarifas. A maioria das indústrias, entretanto, já participa do mercado livre – consumidores que compram energia diretamente dos geradores ou de comercializadores –, mas ainda assim também sofre as consequências desse aumento.

A especialista na área de comercialização de energia, Leciane Patrícia Budal, explica que as consequências da crise hidrológica afetam a produção e, consequentemente, a relação de oferta e procura de energia no mercado livre. Enquanto os consumidores dividem os gastos não previstos pelas distribuidoras (devido à crise hídrica e o grande número de termelétricas despachadas), as indústrias não contratadas pagaram caro pela energia no mercado de curto prazo no último ano, embora hoje o mercado apresente sinais de recuperação.

Leciane conta que as empresas que não estavam 100% contratadas em 2013/2014 tiveram que recorrer ao mercado de curto prazo e encontraram preços elevados de energia. “Como a base é hidráulica, os geradores também ficam com menos energia para poder vender, a oferta é menor e o preço eleva”, diz. Como se trata de um consumidor livre, a empresa tem autonomia para contratar pelo período que quiser, de acordo com o “apetite do empresário”, ainda que a legislação o obrigue a contratar 100% da sua demanda mensal. “No mercado [livre] você tem chance de conseguir pagar bem pouco, dependendo do apetite de risco que cada empresário tem. Alguns apostam e não contratam toda a energia necessária, […] tem empresa que compra por cinco anos e se assegura por esse tempo, aí ele só vai administrar a falta ou a sobra [de energia]”, explica. Para Leciane, migrar do mercado cativo para o mercado livre é uma responsabilidade grande para o empresário, já que a mudança exige uma preparação prévia de todo organismo de uma indústria. Hoje, a maior parte das grandes indústrias já migrou para o mercado livre.

“Há uma década, 98% das empresas nos procuravam para aumentar sua margem de lucro, através da redução de custos. Porém, hoje isso mudou e existe um movimento socioambiental, sendo a busca por soluções verdes um caminho irreversível” — Diretor da empresa, Wagner Cunha Carvalho.

A profissional, que também presta consultoria empresarial na área de comercialização de energia, conta que muitos empresários optam por comprar energia para revender posteriormente, de acordo com o movimento do mercado. “O foco da indústria é ser mais competitivo na atividade dele. Se ele desfocar e começar a almejar ganhar dinheiro com energia elétrica, então é melhor abrir uma comercializadora ou entrar no ramo de geração. Caso contrário, vai acontecer o que aconteceu com várias empresas, que chegaram ao desespero, pois o preço do mercado livre chegou, no ano passado, a praticamente R$ 800,00 [por megawatthora (MWh)], quando poderia estar contratada a [um preço médio de] até R$200,00/R$250,00, por exemplo”, lamenta, ao se referir a empresas que não souberam administrar a energia contratada antes da crise estourar.

O cenário começou a mudar no fim do ano passado, quando a Aneel reduziu o teto da energia elétrica no mercado livre de curto prazo, de R$ 822,83/MWh para R$ 388,48/MWh, mudança que passou a valer em janeiro desse ano. Adaptação e gestão de energia Para a Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace), o governo tem tomado medidas que beneficiam, principalmente, consumidores com um custo de menor expressão. Em nota divulgada no início de agosto, o presidente- -executivo da Abrace, Paulo Pedrosa, lamentou as políticas públicas do setor de energia elétrica: “A dramática situação da indústria nacional tem na energia uma de suas causas. Nossos competidores são beneficiados por políticas públicas e mercados eficientes na energia elétrica e no gás natural, enquanto aqui os custos minam a competitividade e reduzem a produção, ampliando a ociosidade dos parques fabris”.

A indústria já buscava formas de se manter competitiva diante do cenário econômico retraído, mas a crise energética reforçou a necessidade dos empresários repensarem suas estratégias de gestão de energia. Em março desse ano, a Aneel autorizou o reajuste da tarifa de energia elétrica. Para os clientes de alta tensão, como empresas, indústrias e comércio, a mudança gerou um impacto médio de 32,5%.

Para Leciane, a necessidade de adequação diante da crise faz com que a eficiência energética na indústria traga “racionalidade” para dentro da empresa. “Você adequa melhor a sua produção, seus equipamentos e toda a utilização da energia. Ela é uma aliada nisso, e se você migra para o mercado livre com uma compra de energia boa, você vai aliar e o seu custo vai baixar, assim você poderá ser mais competitivo do que o seu concorrente”, finaliza.

O diretor superintendente da WEG Motores, Luis Alberto Tiefensee, afirma que a empresa também foi afetada, ainda que não da mesma forma que a média anunciada. “O reajuste da tarifa é uma coisa, mas quando você tem um consumo menor, você acaba não sofrendo tanto o impacto. Mas, nesse momento, todas as empresas foram afetadas e estão fazendo seus trabalhos, mas o mais importante é [focar] a gestão de eficiência energética”, diz.

“As empresas perceberam que a questão é estratégica e interfere, diretamente, na sobrevivência do negócio e, por isso, a preocupação com a eficiência energética deve ser constante — Gerente do departamento de Facility Management da planta de Campinas da Robert Bosch Ltda., Douglas Sozzi Pacifico.

Essa adaptação da indústria refletiu positivamente nas empresas que prestam consultoria no segmento de gestão de energia, como a W-Energy – empresa sediada em São Paulo especializada em consultoria, gestão e tecnologia voltada para redução de custos com energia elétrica e água. “Nosso crescimento é de 30% ao ano e após o reajuste a procura por nosso trabalho aumentou em 25%”, conta o diretor da empresa, Wagner Cunha Carvalho.

Quando questionado sobre as principais dificuldades que o empresário da indústria apresenta quando chega a W-Energy, Carvalho aponta duas problemáticas: i) falta de informação sobre a planta, perfil de consumo, direitos e oportunidades específicas da área comercial, técnica e jurídica; e ii) ausência de caixa para investimentos. “Quando implantamos tecnologias de medição setorial, permitimos aos nossos clientes conhecer o quanto gasta em Reais para produção de cada tipo de produto, entendendo onde está ou não sendo competitivo”, conta.

Carvalho é especialista em sustentabilidade, eficiência energética e hídrica e, para ele, a redução de custos também está ligada à eficiência energética. “Nosso foco não é a redução de consumo, e sim do custo. Fazer com que nosso cliente cresça e aumente a sua produção sem aumentar o preço unitário. Fazer mais com menos”, diz.

O gerente do departamento de Facility Management da planta de Campinas da Robert Bosch Ltda., Douglas Sozzi Pacifico, também concorda que eficiência energética possa ser um diferencial competitivo para a indústria. “Especialmente se a energia elétrica consumida no processo de produção tiver peso significativo no custo final do produto. A competitividade será diferenciada se uma indústria, por exemplo, utilizar uma matriz energética mais eficiente que a de seus concorrentes, o que possibilitaria à mesma uma vantagem no mercado”, opina.

Segundo Pacifico, a Bosch tem uma política corporativa mundial para a redução das emissões de CO₂ que, por sua vez, está atrelada à redução no consumo de energia. No Brasil, o programa está em vigor desde 2007. “Acredito, porém, que esse movimento na indústria não seja mais pontual, mas sim de longo prazo. As empresas perceberam que a questão é estratégica e interfere diretamente na sobrevivência do negócio e, por isso, a preocupação com a eficiência energética deve ser constante”, ressalta.

Eficiência energética
“Certamente o aumento de custos de produção é um fator determinante para maior preocupação com processos sustentáveis, especialmente no Brasil. Na Alemanha, por exemplo, a sustentabilidade é parte da estratégia de governo, sendo a mudança da matriz energética e a redução do consumo de energia focos de toda a sociedade e indústria”, conta o gerente da Bosch.

Eficiência energética para muitos países é um conceito estimulado por políticas públicas há décadas, sobretudo faz parte da cultura industrial. Embora muitas multinacionais, especialmente, já tragam essa consciência difundida nas políticas das companhias em plantas espalhadas pelo mundo, a crise hidrológica pressionou empresários a inovarem no segmento.

“A matriz energética nacional tem como base fundamental a água, recurso cada vez mais escasso e altamente dependente de fatores climáticos inconstantes, por isso é importante a busca contínua pela otimização dos processos, equipamentos e infraestrutura para reduzir o consumo de energia elétrica e, consequentemente, a redução das emissões de CO₂. O uso consciente e sustentável da energia elétrica se destaca em todo o sistema produtivo e tem sido fundamental para o atendimento dos objetivos mundiais da Bosch”, comenta Pacifico.

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“Onde tem um motor elétrico, há uma oportunidade de melhoria”. Diretor da WEG Motors, Luis Alberto Tiefensee.

A Bosch já possui uma política focada em eficiência energética e segundo conta Pacifico, a empresa intensificou ações em 2015 nesse segmento. E pretende, para os próximos anos, investir diretamente nesta área, por exemplo, com a substituição maciça das lâmpadas convencionais por luminárias de alta eficiência, como as T5 e LED.

“Diante do cenário atual e também da política de incentivos do governo, tem aumentado o interesse das indústrias na geração própria de energia, bem como na adoção de tecnologias de maior eficiência energética, como a substituição de sistemas de iluminação, uso de motores de alta eficiência, alteração de sistema de climatização e aquecimento de água, adoção de fontes de energia alternativas, como gás e solar, dentre outras medidas”, argumenta.

“Não adianta só falar em manutenção e engenharia, todos devem olhar a energia como uma despesa da empresa” — Diretor da WEG Motors, Luis Alberto Tiefensee.

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Entre outras práticas adotadas pela Bosch para a redução do consumo de energia estão: instalação de sistemas de iluminação automática (controle de acordo com a iluminação natural e presença de pessoas no ambiente); redução de pressão de 6,8 Bar para 6,3 Bar nas linhas de ar comprimido, bem como plano de eliminação de vazamentos; substituição de máquinas de baixa performance por máquinas de alta performance nos processos de lavagem de peças; redimensionamento dos motores das impregnadoras de verniz, utilizando modelos com potência 50% inferior; substituição de esteiras motorizadas por roletes, eliminando a utilização de motores.

O diretor da WEG Motors, Tiefensee, por sua vez, ressalta a importância de se pensar em eficiência energética antes de falar em “economia de energia”, sobretudo pelo ganho em longo prazo. Para ele, também é essencial ir além daquilo “que é mais visível”. “O que não se enxerga é a motorização. É aí que estão os grandes ganhos, quando nos dedicamos a esses processos e juntamos a trocas de sistemas. Uma troca simples de motor pode ter ganho de energia de 10% a 15%”, explica o diretor. A WEG Motores possui uma equipe de quatro engenheiros focados, em período integral, na melhoria de processos. Um engenheiro se dedica exclusivamente à eficiência energética. Tiefensee destaca ainda a importância da adequação para o ISO 50001 – norma de gestão energética de 2011.

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“Não adianta só falar em manutenção e engenharia, todas devem olhar a energia como uma despesa da empresa”, diz. O diretor reforça que o maior ganho de energia está na otimização dos equipamentos já existentes na fábrica. Com a manutenção é possível ter ganhos de eficiência de até 80% sem trocar equipamentos, segundo Tiefensee. “Colocamos toda nossa energia na melhoria de eficiência energética nos equipamentos já existentes”, afirma.

Para o diretor da Weg Motores, a moral é simples, a melhoria no processo faz a redução do consumo – de forma pontual –, porém também faz um trabalho de eficiência energética que fará a indústria colher frutos em longo prazo.

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