Aplicabilidade e segurança desafiam a Internet das Coisas
A conexão entre dispositivos e equipamentos não é novidade para grande parte da indústria. Porém, a popularidade da Internet das Coisas no cotidiano das pessoas e o aumento da demanda de produtos conectados têm barateado o custo de sensores, grandes responsáveis pela comunicação entre as “coisas”. Entretanto, o crescimento estrondoso do setor tem feito com que profissionais se deparem com desafios que vão além da conexão em si, como qualidade de informação e segurança.
“Estamos em uma fase de muitas informações, o que a gente precisa é ter informações de valor”, diretor do Centro de Convergência Digital da Fundação Certi, Marcelo Otte.
De cara nova e mais moderna, nome popular e preço acessível, a Internet das Coisas (ou IoT – Internet of Things) tem mudado a concepção de desenvolvimento de produtos e soluções atualmente. Da telemetria e do Machine to Machine (M2M) ao que hoje conhecemos como Internet das Coisas, a evolução da tecnologia que permite a comunicação entre dispositivos cresceu rapidamente nos últimos anos. Uma forma de perceber essa transformação está no cotidiano da maioria das pessoas, que há dez anos não teriam condições de se conectar à rede ou a uma nuvem (cloud) a partir do próprio telefone ou mesmo computador portátil (gadgets em geral) .
A evolução da tecnologia utilizada nos aparelhos eletrônicos que hoje, por exemplo, nos permite falar via Skype pelo celular, utilizando uma conexão 3G, com uma pessoa que está do outro lado do mundo; ou apagar as luzes da casa através do seu tablet ou ainda estacionar um carro sem nem tocar no volante viabilizou a produção cada vez maior de objetos conectados. Cada vez menores e mais eficazes, os sensores usados para tal conectividade podem hoje ser utilizados em qualquer “coisa”, de torres de energia a roupas. A procura por esses dispositivos também barateou sua produção, viabilizando a aplicação da tecnologia em produtos simples.
Essas mudanças e a crescente demanda fez com que grandes companhias investissem pesado na conectividade entre as “coisas”. Afinal, este segmento deve impactar até US$ 6.2 trilhões na economia global em 2025, segundo estimativa do McKinsey Global Institute. Recentemente, a IBM anunciou o investimento de US$ 3 bilhões na criação de uma unidade de negócios voltado à área. Ano passado, a Cisco Systems se juntou a ABB e a Bosch em uma joint-venture a fim de desenvolver e operar uma plataforma de software aberto para casas inteligentes. Amazon, Google, Gartner, Apple e Microsoft são apenas algumas outras gigantes que já anunciaram investimento no setor. Junto com essas grandes da tecnologia, uma pesquisa divulgada ano passado pela PwC indica que 20% das empresas estão investindo em sensores. Em 2013, 17% afirmaram investir no setor. A pesquisa foi realizada pela 6th Annual Digital IQ com aproximadamente 1.500 empresas de tecnologia. Catorze por cento dos entrevistados reconhecem que os sensores podem ser a estratégia mais importante para as empresas de tecnologia nos próximos 3-5 anos.
A indústria de semicondutores – os protagonistas no segmento da Internet das Coisas – vem crescendo rapidamente. Afinal, a IoT é basicamente a conexão de “coisas” através de sensores, semicondutores e chips. A Bosch, por exemplo, demorou 13 anos (1995-2008) para produzir o primeiro bilhão de MEMS (sistemas microeletromecânicos). O segundo bilhão foi alcançado três anos depois, em 2011. “Sensores MEMS são uma tecnologia- -chave para o mundo conectado. Eles oferecem alto desempenho, mas também são pequenos, robustos e extremamente rentáveis para se fabricar em grandes volumes”, diz o Dr. Dirk Hoheisel, membro do conselho de administração da Robert Bosch GmbH. A Bosch produziu recentemente o sensor MEMS cinco bilionésimos na sua fábrica de Reutlingen, Alemanha.
Data e aplicabilidade
A aplicabilidade da tecnologia embarcada, como já dito anteriormente, tem alimentado a indústria há anos. Os dados recolhidos por esses dispositivos podem ser analisados e entregues ao usuário conforme a sua necessidade ou o objetivo do produto, otimizando serviços e operações. Algumas aplicações mais reconhecidas já fazem parte da rotina das pessoas, ainda que elas não as vejam. No setor de energia, por exemplo, sensores são implantados em toda a rede elétrica permitindo monitoramento remoto do uso de energia, ajustes de fluxo e distribuição. Porém, outras indústrias já têm a IoT como realidade há anos, como a indústria automotiva, extrativa e manufatureira.
A demanda por produtos pessoais e inteligentes com menor complexidade – de escova de dente a óculos – fez com que o valor da tecnologia aplicada para a IoT declinasse. “O custo de um sensor de aceleração, de contagem de passos ou dispositivos são muito mais baratos hoje em dia. A evolução tecnológica permitiu um barateamento de sensores. Você consegue, hoje, ter uma série de dispositivos espalhados, inclusive há até muita opção, mas ainda estão buscando as reais utilidades para esses produtos”, diz Marcelo Otte, diretor do Centro de Convergência Digital da Fundação Certi.
O pesquisador acredita que a demanda pela tecnologia da IoT tenha sido alimentada pelo consumidor comum. Porém, o mesmo desafia os profissionais do ramo que tentam dar funcionalidade às inúmeras possibilidades de aplicação de sensores. “Hoje você consegue dar vida inteligente a qualquer dispositivo eletrônico e de forma barata. Como trazer essas informações para um contexto de uma pessoa leiga é o desafio”, afirma. Ele exemplifica e questiona: “Agora tenho um relógio com conectividade, ok (sic), e o que eu faço com essas informações já que tenho várias outras soluções que podem atender essas necessidades de conectividade?”.
Otte explica que os profissionais buscam fazer com que a informação tenha valor para o usuário. O comportamento das pessoas em meio à “era digital”, cada vez mais conectados com outras “coisas” e pessoas através do compartilhamento de informações, tem acelerado a inserção da tecnologia na atualidade. Sobretudo, ele lembra que esses mesmos sensores podem captar informações banais e também extremamente úteis, como na medicina ou em aplicações que garantem a segurança do usuário, por exemplo, em um automóvel ou em um detector de fumaça.
Segundo Otte, o grande desafio da IoT é dar uma informação que tenha contexto para atender aquilo que o consumidor precisa. “Estamos em uma fase de muitas informações, o que a gente precisa é ter informações de valor”, ressalta. Neste sentido, em 2013, a Cisco Consulting Services (CCS), em parceria com a Intel, produziu um artigo com as percepções do impacto da nuvem sobre os modelos de TI. “As demandas técnicas e de experiência do usuário final cada vez maiores, as transições rápidas e simultâneas de tecnologia e um ambiente de negócios em constante mudança estão alimentando ainda mais a proliferação da nuvem. E as empresas estão sendo desafiadas com uma mudança fundamental no ciclo de vida de consumo da TI”, introduzia o artigo.
O engenheiro eletricista e diretor da Phi Innovations, Diego Thuler, acredita que o interesse pela Internet das Coisas está no fato de andarmos com um computador (smartphones) em mãos 24 horas por dia. “Termos as ‘coisas’ conversando conosco passou a ser quase uma necessidade. O que antes atendia uma necessidade específica agora é um item de consumo”, afirma.
Para o empresário, especializado em sistemas embarcados, a tecnologia já é dominada, o desafio é outro. “Agora o desafio é criar uma aplicação realmente útil, integrada em um ecossistema de soluções e que realmente gere uma transformação na forma que as coisas são usadas hoje. Se não for assim, é só mais um gadget da moda que perde o interesse em breve”, explica Thuler.
A Cisco estima que em 2000 havia 200 milhões de componentes conectados à internet. Esse número aumentou para 10 bilhões em 2013 e estima-se que sejam 50 bilhões de pessoas, processos e componentes conectados até 2020. Seguindo essa tendência, Marcelo Otte afirma que, nos últimos cinco anos, quase dobrou o número de projetos relacionados à conectividade das coisas no Centro de Convergência Digital da Fundação Certi. Thuler, da Phi Innovations, conta que são raros os projetos que chegam à empresa que não tenham conectividade.
“O que observamos claramente é a mudança do perfil de projetos, aplicando tecnologias cada vez de menor custo e menor ‘time to market’”, fala. Na Phi Innovation os setores mais interessados em projetos com conectividade são das seguintes áreas: saúde, agrícola, energia e segurança. “São, em sua grande maioria, dispositivos dedicados a sensoriamento e acionamento remoto”, completa.
Do dia 22 a 24 de setembro acontece, em São Paulo, o Congresso e Mostra Internacional SAE Brasil de Tecnologia da Mobilidade, que será realizado no Pavilhão Azul do Expo Center Norte. Maior encontro do gênero no Hemisfério Sul dirigido a engenheiros, executivos, consultores e acadêmicos do setor, o Congresso inaugura, em sua 24ª edição, um espaço para a participação de StartUps na Mostra de Tecnologia do evento. O objetivo é atrair empresas iniciantes e inovadoras do segmento da mobilidade, além de alavancar o interesse de novos públicos ligados ao setor.
A agenda preliminar da Amostra conta com temas voltados à Tecnologia da Informação e mobilidade. A equipe de Sergio Savane também abordará o tema da IoT durante o evento. O presidente do Congresso SAE Brasil 2015, também presidente MAN Latin America, Roberto Cortes, explica que essa estratégia, desenvolvida por grupo de profissionais, engenheiros ligados à SAE Brasil de diferentes segmentos da mobilidade, pretende oxigenar o evento. “O objetivo é reforçar e aumentar o conteúdo do Congresso e trazer mais públicos interessados nos temas da engenharia”, diz Cortes.
“A antiga ‘telemetria’ seria a internet de ‘poucas’ coisas e o IoT é a internet de ‘todas’ as coisas. Acho esta terminologia bastante adequada pela ótica da aplicação”, engenheiro eletricista e diretor da Phi Innovations, Diego Thuler.
Adaptação
A proximidade entre indústria e universidade tem colaborado para o avanço do conhecimento tecnológico no setor. A produção de sistemas embarcados com finalidades práticas para a indústria, como automação de equipamentos, segurança e logística, tem agregado mais valor à área. Para Sergio Savane, integrante do Comitê Tecnologia da Informação do SAE Brasil, a integração entre a indústria e universidade é tão importante quanto à troca de conhecimento entre profissionais de diferentes áreas.
“A procura maior é por profissionais que têm esses conhecimentos e procuram aprender mais. Por outro lado, para você implantar a tecnologia, é necessário ter as empresas que a desenvolvem por perto para poder viabilizar isso ao mercado em si”, explica Savane. Ele lembra, porém, que engenheiros eletricistas e profissionais de TI estão se adaptando às novas demandas do mercado. “Muitos desses profissionais já atuavam em sistemas isolados e hoje o que está mudando é a forma ou o conceito que se faz produtos [integrados]”, conta. Ele diz ainda que há 20 anos as universidades formavam engenheiros eletricistas como na década anterior àquela. Hoje, profissionais há anos no mercado retornam às universidades para ensinar novos engenheiros partindo das necessidades e da realidade da indústria.
O mercado crescente do setor alimenta e exige a capacitação desses profissionais que buscam soluções e funcionalidades aos sensores. “O profissional mais requisitado nessa área é o engenheiro de sistemas embarcados, além daquele que consegue fazer o processamento do big data”, fala Marcelo Otte. Para Diego Thuler, o mercado de Sistemas Embarcados é crescente. “Cada vez mais a demanda compu tac ional dos p rodu t o s aumentam, por diversas razões, a melhoria da interface com usuário com telas gráficas, conectividade, automação. Não só aumentando a capacidade computacional de equipamento eletrônicos, mas entrando em áreas que nunca se imaginava que seria aplicada antes”, explica.
Segurança Durante a entrevista cedida à revista Manufatura em Foco, Sergio Savane ressaltou a relevância da IoT para a segurança como uma de suas principais vantagens. “IoT hoje é você desenvolver produtos com segurança e qualidade”, diz. Um dos grandes desafios do segmento, ainda em transformação, é a segurança, tão discutida hoje no meio. Empresas especializadas buscam tecnologias que garantam a segurança das informações do usuário, uma vez que a data capturada pelos sensores fica na nuvem. Nesse sentido, paira um sentimento de insegurança sobre o avanço da tecnologia que depende da cloud.
A capacitação de profissionais voltados à segurança da rede se torna cada vez mais essencial, considerando a estimativa de crescimento de “coisas” conectadas até a próxima década. “Do ponto de vista tecnológico, acredito que o maior desafio [para a IoT] é a segurança. Uma vez que tudo passa a trafegar na rede, estamos sujeitos à espionagem e ataques. Hoje temos diversas soluções de criptografia que focam dois aspectos importantes: sigilo da informação trafegada e garantir a autoria da informação. Tecnologias de criptografia trabalham sempre na relação grau de segurança gerado vs custo computacional. Como estamos falando de dispositivos de baixo custo, esta equação é complexa de resolver”, sugere Thuler.
Você precisa fazer o login para publicar um comentário.
There are no comments
Add yours