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Liderança e gestão de conflitos

Administrar conflitos é uma tarefa que, geralmente, causa melindres e resistências. As pessoas evitam, postergam e, muitas vezes, não fazem nada para resolver, afinal confrontar um problema não é muito agradável.

Para tratar do tema, podemos começar nossa reflexão a partir desta bela citação de Charles Chaplin: “Não devemos ter medo dos confrontos. Até os planetas se chocam e do caos nascem as estrelas”.

Os conflitos estão presentes em qualquer tipo de situação e, especialmente, no ambiente de trabalho, onde as diferenças sobrepõem as semelhanças entre as pessoas. E, para as empresas brasileiras, esse cenário é um pouco mais desafiador, pois uma pesquisa recente comprovou que os brasileiros são os que mais misturam o lado pessoal com o lado profissional. Desta forma, há uma maior propensão em levar o conflito para o lado pessoal e isso pode acabar por comprometer o rendimento de toda uma equipe e até mesmo da empresa inteira. A pesquisa mostrou ainda que, no Brasil, são perdidas, em média, duas horas por semana para tentar controlar conflitos no ambiente de trabalho. Você já imaginou como essas duas horas poderiam ser muito mais produtivas?

A administração de conflitos é uma atribuição natural da liderança, isso significa que as pessoas esperam do líder a resolução dos problemas. Um líder que não trata os conflitos de maneira assertiva ou – mais grave – que acredita que eles podem se resolver sozinhos permite que sua equipe experimente momentos de insatisfação, desmotivação e insegurança.

De acordo com Warren Bennis, um dos maiores gurus da liderança, os verdadeiros líderes não evitam, reprimem ou negam o conflito antes de enxergá-los como uma oportunidade. Partindo desse princípio, é possível fazer algumas deduções: o líder que evita o conflito é omisso; o líder que reprime o conflito é ditador; o líder que nega o conflito é utópico; o líder que vê no conflito uma oportunidade é otimista e pode provocar mudanças verdadeiramente significativas.

Os líderes que veem o conflito como uma oportunidade podem alcançar efeitos potencialmente positivos como, por exemplo, a identificação aperfeiçoada do problema, o aumento da motivação das pessoas que se envolvem na solução e, consequentemente, a união do grupo, o aumento do conhecimento, o aperfeiçoamento da criatividade, o incentivo para o crescimento, dentre outros.

Da mesma maneira, todo conflito traz em si potenciais efeitos negativos, que estão diretamente ligados à iniciativa e à habilidade que se tem para administrá-los. Em uma situação de conflito, pode-se observar, por exemplo, a diminuição da produtividade, o desgaste na relação de confiança que se estabelece entre as pessoas da equipe e, principalmente, entre o líder e seus liderados, a formação de alianças com posturas polarizadas (também conhecidas como as famosas “panelinhas”), a redução no fluxo de informações, o consumo de grande quantidade de tempo (que poderia ser investido na criação de novas ideias e implementação de novos projetos) e também uma considerável paralisia na tomada de decisões.

Desfrutar dos efeitos positivos ou negativos que os conflitos podem trazer depende de quem assume a responsabilidade de gerenciá-los e das estratégias e ferramentas escolhidas para tal.

Por isso, a gestão de conflitos é uma competência que precisa ser desenvolvida. Embora não exista uma fórmula mágica que se aplique a qualquer tipo de pessoa ou situação, podemos adotar mecanismos que nos auxiliem a lidar com os conflitos de maneira mais produtiva.

O primeiro passo consiste em entender o que de fato é o conflito. De acordo com a definição de Daniel Webster, o conflito surge simplesmente pela existência de opiniões divergentes ou incompatíveis acerca de um mesmo assunto ou acontecimento, ou seja, quando existem duas ou mais respostas ou ações diferentes para um único evento. O conflito não implica, necessariamente, em demonstrações de hostilidade ou agressividade, embora esses fatores possam fazer parte da situação, especialmente quando a habilidade para a gestão do conflito se mostra deficiente.

Vale ressaltar também que o conflito funciona como um sistema que envolve quatro elementos: pessoas – situação – atitudes – resultado. A interação entre esses quatro elementos pode ser vista da seguinte maneira: as pessoas estão envolvidas em uma determinada situação que as leva a adotar determinadas atitudes, que, por sua vez, proporcionam determinados resultados. Esses resultados novamente afetam as pessoas, agora em uma nova situação, que demanda novas atitudes, que trarão outros resultados. E assim sucessivamente.

Você deve estar se perguntando, onde e como o líder se envolve nesse sistema?

O líder aparece no centro dos quatro elementos, contribuindo para a gestão ou para a manutenção do conflito, agindo ou simplesmente ficando inerte. É isso mesmo que estou querendo dizer, muitos líderes se mostram inertes diante dos conflitos (negando sua existência, negligenciando sua complexidade ou ainda acreditando que eles podem se resolver sozinhos) e acabam por manter e alimentar o conflito.

E você, como tem se comportado diante dos conflitos? Agindo ou ficando inerte? Essa é uma reflexão inicial muito importante para quem está disposto a lidar com os conflitos de forma mais efetiva.

Atualmente, existem diversas técnicas e ferramentas que podem ajudar os líderes na gestão dos conflitos. Eu, particularmente, gosto muito da proposta de um autor chamado Karin Khouri, apresentada no livro “Vire a Página – Estratégias para Resolver Conflitos”. Trata-se de uma ferramenta chamada DEARC, que pode ser aplicada por qualquer pessoa e em qualquer situação, independente do nível de conhecimento que se tenha acerca do comportamento humano.

A sigla DEARC reúne quatro etapas imprescindíveis para a resolução positiva de um conflito e, na sequência, falarei brevemente sobre cada uma delas.

O D representa a primeira etapa e significa Descreva; ela reforça a necessidade de sermos hábeis ao falar sobre o conflito. O texto deve ser simples, curto e objetivo, composto por palavras que favoreçam o entendimento. É importante usar uma linguagem específica, que traga fatos e dados, evitando o uso de rótulos e palavras ofensivas ou de baixo calão. Saiba que se você fizer uma boa descrição do que aconteceu, ao invés de ficar interpretando, já estará construindo uma boa resolução.

A letra E significa Expresse e aborda a necessidade de mencionar o impacto que o conflito exerceu sobre você e sobre a relação que existe entre as pessoas. Não se trata de acusação, e sim de expressão de sentimentos e emoções relacionadas ao comportamento que gerou o conflito. Essa é uma etapa relativamente delicada, pois a sociedade de forma geral não estimula o contato mais íntimo com as nossas próprias emoções, o que, por consequência, não favorece a expressão adequada daquilo que realmente estamos sentindo.

O A representa o Acordo e é alimentado pela seguinte premissa: bons acordos trazem bons resultados. Em uma situação de conflito, é imprescindível o estabelecimento de um acordo a ser cumprido pelas partes envolvidas. É o momento de pedir por mudanças específicas (o que você quer, quando, onde, com quem e como) e falar sobre os padrões de comportamento esperados. Depois disso, é importante verificar se o acordo é possível para ambas as partes, que tipo de obstáculos podem surgir no caminho e, se necessário, renegociar os termos.

A letra R aborda os Resultados que podem ser obtidos com o cumprimento do acordo e com a resolução do conflito. Esses resultados podem ser explicitados em diversos aspectos, tais como a dinâmica da relação, os sentimentos envolvidos e os ganhos individuais e coletivos.

A etapa final, representada pela letra C, significa Congruência e funciona como uma camada de verniz que permeia todas as etapas anteriores. A congruência se refere à maneira como você se comunicará: o seu tom de voz, a sua linguagem não verbal alinhados ao conteúdo da mensagem que você pretende transmitir. Trata-se, acima de tudo, de uma demonstração de respeito pelo outro. Lembre-se de que você tem todo o direito de expressar o seu ponto de vista, desde que isso não agrida ou ofenda o seu interlocutor. Portanto, fale e comporte-se assertivamente, deixando claras as suas intenções de resolver o problema.

Você já imaginou o quão produtiva pode ser essa sequência? Na minha experiência com inúmeras turmas de treinamento sobre gestão de conflitos, nas quais realizamos simulações utilizando essa ferramenta, fica evidente que ao tratarmos o conflito a partir de uma abordagem estruturada, aumentamos consideravelmente as chances de obter uma resolução adequada.

Os verdadeiros líderes enxergam os conflitos como oportunidades para ajudar a equipe crescer profissionalmente e amadurecer emocionalmente.

Independente da escolha de uma ferramenta mais simples ou mais elaborada, ou até mesmo a não utilização de qualquer técnica específica, o papel da liderança é que vai fazer toda a diferença. Um líder que saiba exercer o papel de mediador é imprescindível para o alcance de bons resultados frente aos conflitos.

No papel de mediador, o líder deve criar um ambiente em que as pessoas possam se expressar livremente, com a segurança de que serão escutadas de forma ativa. Animar e equilibrar a participação de todos também é muito importante, pois favorece a promoção do mútuo entendimento. O líder deve adotar uma posição imparcial e objetiva, mantendo o seu foco na resolução e não nas partes envolvidas. Não aplicar julgamento e evitar dar conselhos também reforça uma postura neutra.

Em se tratando da comunicação, o uso de paráfrases é muito oportuno, pois se o líder consegue traduzir em suas próprias palavras o que as pessoas estão dizendo, está oferecendo uma boa evidência acerca do entendimento da situação. Fazer perguntas abertas do tipo “O que você pensa sobre isso?” pode ser um bom estímulo para um diálogo mais efetivo entre as partes envolvidas no conflito. Além disso, existe um belo ditado que diz: “Deus nos deu duas orelhas e uma boca para que possamos ouvir mais e falar menos”, infelizmente poucas pessoas são capazes de aplicar essa regra, que vale ouro para a liderança. Resumir as discussões, reconhecendo as opiniões diferentes e revisando os pontos fundamentais, pode fazer com que o grupo se mantenha concentrado sobre a temática.

Além do objetivo de resolver o conflito, também cabe à liderança ensinar novas habilidades de reflexão para as pessoas, para que elas possam desenvolver o pensamento “ganha-ganha” e adotar uma atitude baseada na cooperação todas as vezes em que surgir um conflito.

Para terminar, gostaria de deixar mais uma inspiração: “O conflito é um sinal de que existem verdades mais amplas e perspectivas mais belas.” (A. N. Whiteh). A partir desse princípio, o líder que se dedica à gestão adequada dos conflitos, além de resolver os problemas, estará também facilitando o processo de desenvolvimento pessoal e profissional de sua equipe.

Espero que esse texto seja um estímulo para que você possa enxergar os conflitos com outros olhos e tirar deles o máximo proveito.

Um grande abraço e até breve.



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